INGENUIDADE, CINISMO E CONFIANÇA CORAJOSA NA POLÍTICA

Marta Leiria


"É improvável que a liberdade seja perdida de uma só vez e abertamente. É muito mais provável que seja corroída, pouco a pouco, em meio a promessas brilhantes e expressões de ideais nobres", Thomas Sowell

Já escrevi sobre o quão idealista fui em meu início de carreira como promotora de justiça, aos vinte e quatro aninhos, em relação a promessas de realização plena dos direitos sociais previstos na Constituição Cidadã de 1988. E já votei em quem fazia tais juras. Fiquei maravilhada ao participar do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, tempos áureos do Orçamento Participativo. Com os anos, e à medida que fui constatando a inviabilidade prática de tais promessas, fui me tornando cínica (o que, de certa forma, é alguma evolução), achando que não deveria perder meu tempo com assuntos políticos e votando em quem me parecia mais honesto e bem-intencionado (atributos mínimos de agentes políticos). Hoje, desacreditada dos devaneios utópicos de então, e com repertório ampliado, sinto a necessidade de confiar corajosamente em pautas alinhadas com ideias liberais e conservadoras. Tenho me preocupado cada vez mais, há razões de sobra, com a valorização do indivíduo e daquele que produz, empreende e gera emprego e renda. Com a liberdade de pensamento e de expressão, de dizer como vemos o mundo. Com o respeito à propriedade privada, na justa medida da CF e das leis. Tudo isso sem descuidar dos menos favorecidos, a quem a sociedade precisa oportunizar condições de vida digna. Também para custear tais direitos servem os impostos, daí a necessidade da responsabilidade fiscal dos governantes e de punição aos corruptos.

As pessoas são diferentes em virtudes, capacidades, habilidades. Desigualdades sociais não podem ser removidas pela aplicação de cartilhas, quer religiosas, quer seculares. Engenharias sociais não podem alterar a condição humana. Há que se conservar o que deve ser conservado e alterar o que precisa evoluir (por mais que se tente dizer que tudo era melhor em outros tempos, sabemos que isso não é verdade). Pautas progressistas preconizam experimentos humanos arriscados que não acredito que funcionem, como a pura e simples legalização das drogas. Ouvi há uns bons anos Ministro do STF dizer que o Judiciário teria de enfrentar assuntos difíceis como o poliamor. Ora, ora, com tantas pautas importantes pendentes de solução... A novidade é fruto de uma sociedade cada vez mais alinhada com o pensamento hegemônico de esquerda. Se a relação a dois, quer hetero, quer homossexual, já não é fácil, acrescentar um ou mais indivíduos para compartilhar a vida dificilmente pode ter êxito na prática. Mas cada indivíduo tem o direito de fazer o que quiser da sua vida privada, sem que o Estado tenha a pretensão de dizer o que é bom para cada um na seara íntima. O crescente ativismo judicial vem mostrando o perigo da substituição de leis por decisões de magistrados, não raro monocráticas, com sério risco à independência entre os Poderes. Já vimos em um passado recente no Brasil, e em grau mais nefasto em nossa vizinha Argentina, os males da ditadura, da caçada aos dissidentes do regime. A imposição do pensamento único através da censura, vedada no Estado Democrático de Direito.

Está cada vez mais difícil para algumas pessoas disfarçarem sua aversão a opiniões dissonantes, mostrando um semblante de superioridade moral a fim de fazer valer seus ideais (paixão?). Isso quando não descambam para o discurso de ódio, vedado em nosso ordenamento jurídico. Esquecem que democracia é incompatível com partido único. Precisamos conviver com pessoas de quem não gostamos. Tolerarmos o estranho a nós, o diferente. Alguns chegam a demonizar empresários bem-sucedidos (inveja?), esquecendo que são exatamente eles que geram emprego e renda, e não os intelectuais que pregam sua ideologia em escolas e universidades, públicas ou privadas, embora não sejam pagos para isso. Quem discorda não tem bom coração, compaixão, é desumano. É acusado de fascista e totalitário, embora o conservadorismo, este sim, seja incompatível com o totalitarismo, ao contrário do fascismo e do nazismo. Se trabalhadores vão às ruas pacificamente com suas famílias manifestar indignação (luto) com a realidade atual, declaram seu amor à pátria, a determinados valores, como família e liberdade, são achacados de arruaceiros, golpistas. Antidemocráticos. E estranhamente tais manifestações orgânicas não são mostradas por parte da mídia tradicional. Conforme disse, há uma década, o analista político Denis Rosenfield: "a tentativa de destruir a autonomia dos meios de comunicação é característica dos pregadores do socialismo do século XXI e ocorre em todas as malfadadas experiências socialistas na América Latina: na Venezuela, na Bolívia, no Equador e na Nicarágua, sem falar de Cuba, onde evidentemente não há liberdade de opinião nenhuma". Quando Rosenfield escreveu o ensaio que tenho em mãos, explicando porque virou à direita, nossa vizinha Argentina ainda prosperava. Este socialismo com nova roupagem nada tem de democrático. Restou a retórica.

Por essas e outras, cada vez mais me reconheço como liberal e conservadora. E fico feliz que outros cidadãos também tenham a coragem de se reconhecerem como tal, demonstrando confiança corajosa na política. E dizendo não àqueles que, com argumentos de intimidação e palavras de ordem, pretendem, sem fundamentos racionais, nos calar. Renunciar à nossa sagrada liberdade não é uma opção.

 

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