O ARGUMENTO DA INTIMIDAÇÃO E A FALÁCIA DO INFINDÁVEL

Marta Leiria

Meu trabalho durante quase trinta e um anos como promotora e, mais tarde, como procuradora de justiça, consistiu basicamente em analisar fatos e provas para chegar a alguma conclusão. A finalidade? Promover a justiça. Oferecer denúncia contra quem comete crime ou propor o arquivamento do inquérito policial, se for o caso. Dentre as inúmeras atribuições, a de defender interesses coletivos da criança e do adolescente, do meio ambiente, da pessoa com deficiência. Atuar como fiscal da lei quando em jogo interesses de vulneráveis. Minha turma assumiu em maio de 1988, enquanto a Constituição Cidadã entrou em vigor em outubro do mesmo ano; brinco que somos jurássicos, anteriores à Constituição. Quanto a mim, vi, perplexa e fascinada, aos vinte e quatro aninhos (nos dias que correm, uma adolescente), a inauguração de inúmeros direitos sociais. Lembro como se fosse hoje de evento em Brasília, no início da década de 1990, quando louvamos o fato de o direito à saúde passar a ser direito de todos e dever do Estado. Idealista, achei isso o máximo: ao menos a saúde seria assegurada a todos! Como se não importassem os custos desse direito, quem pagaria a ilimitada conta?

Agora, vamos à necessidade de fundamentar a posição tomada. Na recém-lançada edição brasileira de A virtude do egoísmo (LMV Editora, 2022), Ayn Rand discorre sobre o argumento da intimidação. Saudosa do latim, comecemos pela falácia ad hominem, usada a rodo na política. Consiste em tentar refutar um argumento ao atacar o caráter de seu proponente. Nem é preciso dar exemplos. O argumento da intimidação é seu parente. É posto na forma de ultimato, exigindo que o interlocutor renuncie a determinada ideia sem discussão, sob a ameaça de a vítima ser considerada moralmente indigna. Pinço alguns exemplos de Rand, o tom é de incredulidade desdenhosa: "apenas aqueles que são maus (desonestos, cruéis, insensíveis, ignorantes etc.) podem defender tal ideia", "apenas os reacionários cruéis podem defender o capitalismo", "apenas os superficiais podem buscar beleza, felicidade, realização, valores ou heróis". Condenar sem dar razões, sem fundamentar, é da essência do argumento da intimidação.

Gostei da forma de réplica sugerida por Rand para refutar esse tipo de argumento. Consiste em responder com as próprias convicções. Lendo "Fatos e falácias da economia", de Thomas Sowell, encontro precisas considerações sobre o que ele denomina de a falácia do infindável: "Muitas coisas desejáveis são defendidas sem levar em consideração o fato mais fundamental da economia, ou seja, que os recursos são inerentemente limitados e apresentam usos alternativos." Quando eu converso com pessoas com visão mais irrestrita do que a minha e questiono sobre de onde sairá dinheiro para a plena concretização de tantos direitos sociais, tentam me transformar em alguém que é contra direitos básicos. Uma pessoa má, para dizer o mínimo. Ora, ora... A questão é que determinados vieses ideológicos e políticos (visão irrestrita) apregoam a possibilidade fática, e para mim, utópica, de concretizar a tão sonhada justiça social. Esquecem que alguém terá de arcar com os custos dessas coisas desejáveis para todos os cidadãos: saúde, segurança, espaços públicos adequados. Ou melhor, não esquecem: quem trabalha, quem produz, que pague a conta. Como se as leis em vigor impondo impostos estratosféricos já não se destinassem a custear esses direitos. Se os recursos são desviados para fins espúrios, essa é outra história.

Para concluir: tanto no Ministério Público como na vida, fundamentar, argumentar racionalmente, é necessário. Quem não acredita que o governo seja capaz de implementar a perfeição na terra e acredita na necessidade de os indivíduos buscarem a beleza, a realização pessoal e valores, é superficial, mau, cruel? Moralmente indigna, eu? Argumento da intimidação comigo não funciona.

 

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