Bolo de Chocolate

Denise Accurso

Helena estava com muito sono. Era a primeira manhã fria do ano e seu corpo pedia mais cama e comida. Cabeceava de sono no ônibus. Caminhou toda encolhida até o prédio da firma em que trabalhava.
Entrou e foi direto até a cozinha, ligar a cafeteira. Sabia que tinha deixado alguns biscoitos para esse tipo de emergência. Enquanto a cafeteira fazia seus barulhos e enchia o ar com o aroma do café, Helena pegou sua lata da prateleira de cima.
Estava vazia.
Sentiu seu sangue ferver. A pessoa que assaltara sua reserva não tivera a decência de deixar ao menos unzinho! O café estava pronto. Tomou a primeira xícara e sentiu ainda mais fome. Abriu a geladeira. Foi quando viu uma generosa fatia de bolo de chocolate dentro de uma embalagem de celofane. Ficou imaginando aquela mistura que considerava perfeita, café e chocolate. Seu estômago deu uma volta.
Sem pensar muito, tirou a embalagem da geladeira. A fatia era grossa. Tanto melhor: serviu-se de uma nesga, cerca de um quinto da fatia, confiando que seu crime sequer seria percebido.
Foi para sua mesa munida de café e bolo. Enquanto ligava o computador, saboreou aquele que lhe pareceu o melhor bolo que já tinha comido. Durou poucos segundos.
Não resistiu. Voltou à cozinha e pegou outro pedaço. Agora era mais que evidente que a fatia fora atacada: estava fina, esquálida, mal se equilibrando dentro da embalagem.
O café e o bolo a acordaram e aqueceram. Mais: sentiu-se embalada, confortada, recompensada por ter saído da cama e atravessado a cidade para passar o dia trabalhando numa empresa que não adorava, num trabalho que considerava tedioso.
Voltou à cozinha para lavar seu prato e sua xícara. Mais colegas estavam chegando e se servindo de café. Ao invés de lavar sua louça, Helena encheu novamente sua xícara e pegou o resto do bolo de chocolate da geladeira, jogando fora a embalagem vazia. Quem deixa um bolo de chocolate na sexta-feira pra comer na segunda? Isso foi um esquecimento, com certeza. O proprietário nem deve se lembrar que o bolo existe. Melhor mesmo apagar os vestígios e eliminar tudo da vista.
Apaziguada, aquecida e animada, atirou-se ao trabalho com ânimo incomum. Fazia tempo que não encarava o serviço de tão boa vontade.
Depois de conseguir terminar aquele projeto que se arrastava há dias e enviá-lo à supervisora, foi chamada para falar com ela.
Logo percebeu que Ceci estava de mau humor.
– Estou vendo teu trabalho. Está muito bom, melhor que os últimos que examinei. Não mexi nem corrigi nada. Eu sempre soube que tu eras capaz de fazer coisas assim. Não quero mais saber daquele serviço cheio de falhas que tu andavas entregando.
Helena não sabia se devia agradecer ou se desculpar. Ceci percebeu sua confusão e seu rosto suavizou-se.
– Olha, está muito bom e espero que consigas manter esse padrão. Estou chateada com uma bobagem. Deixei um bolinho na geladeira e ele sumiu. Não devia me importar tanto, mas contava com ele nesta segunda-feira.
– Eu sei como é. Também fiquei chateada quando fui comer uns biscoitinhos que tinha deixado e descobri que tinham esvaziado a lata. Queres que eu peça pra buscar alguma coisa?
– Não precisa. Pode ir, Helena. Qualquer coisa te chamo.
Helena saiu sentindo que tinha desviado de um raio. Ficou pensando que Ceci tinha razão, ela era capaz de fazer um bom trabalho, andava desmotivada, não sabia bem o que era. Ou seria mais simples a explicação, e tudo se devia à fórmula mágica café + chocolate? Às vezes a explicação mais simples é também a mais verdadeira.
Desde esse dia, toda segunda-feira, Helena leva um bolo de chocolate para o serviço e o compartilhava com os colegas, não esquecendo de separar uma fatia para Ceci.

 

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