Sumiço

Denise Accurso

Foi naquela manhã, lembro bem. Eu levantei atrasado, sem qualquer razão. Na véspera, domingo tinha deitado cedo, vendo o fantástico, e adormeci com o celular no “não perturbe”. Uma noite tranquila, sem sonhos.
Quando vi a claridade invadindo o quarto, soube que tinha alguma coisa errada. Estava sozinho na cama. Estranho, a Mariana sempre se deitava muito tarde e era uma luta acordar de manhã.
Antes mesmo de ir ao banheiro, percorri o apartamento em busca de Mariana. Não estava no banheiro, na sala ou na cozinha. Ao entrar no quarto de nossa filha, vi que também a pequena Sofia não estava lá.
Liguei para o celular dela e deu caixa postal direto. Estranho! Abri as janelas, entrou um vento cheio de interrogações, acirrando minha perplexidade. Mariana madrugando, saindo cedo, sem me acordar, e levando Sofia. Era surreal. Sabia que era grave. Coisas assim, tão fora do comum, não acontecem por boas razões.
Saí e fui aos lugares em que imaginava que poderia encontrá-las. Liguei pra quase todo mundo de que me lembrei. Caminhei até ficar com bolhas nos pés.
O dia passou e eu ainda sentia uma certa conexão com a realidade. Foi quando a noite caiu sem qualquer notícia que entendi que o mundo havia se transformado para sempre. Essa escuridão, esse vazio, seriam parte de mim eternamente.
Houve relatos à polícia, ações judiciais, declarações de desaparecimento. Houve reportagens, fotos em jornais, cartazes. Houve olhares enviesados, agressões de parentes dela, querendo saber o que EU tinha feito. Lembro de todas essas coisas ao mesmo tempo em que tenho certeza de não ter delas participado. Essa já não era a minha existência.
Eu era apenas ausência. Vácuo, nada, o nome que quiserem. Lembro de tudo com nitidez até aquela manhã em que o mundo acabou. Lembro do despertar tardio, com um quarto vazio inundado de luz. Lembro da busca pelo apartamento…
isso faz meses. Ou anos. Não sei, não tenho mais a noção do tempo. Sou apenas uma ausência, um grande ponto de interrogação.
E caminho. Olho e não as vejo. Ouço e não as escuto. Mas sigo andando. Um dia as encontrarei. Ou não.

 

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