CONFISSÕES DE PEQUENOS PRESSÁGIOS

Marta Leiria

CONFISSÕES DE PEQUENOS PRESSÁGIOS

“Paradoxalmente, e lado a lado com o desejo de defender a própria intimidade, há o desejo intenso de me confessar em público e não a um padre.”
Clarice Lispector

Eis que neste 13 de outubro, enquanto comemoro com leituras o Dia Internacional do Escritor, me deparo com a frase acima no livro de crônicas “A descoberta do Mundo”. Compartilho com Clarice o desejo crônico de confissão pública. O Romário, proprietário (rimou) da Casa Vêneto, no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, onde eu tinha me hospedado dia desses, viu meu post alusivo à data, me parabenizou e disse que queria comprar o meu livro. Faceira, comentei então com o filhote Pedro que gostaria de contar um pouco sobre a Casa Estivalet, saudosa dos primos Simone, Verônica, Gabriel, Josiane. Fica lá perto do Vale, nos Caminhos de Pedra, também em Bento. Quando publiquei nas redes sociais pequeno texto com fotos sobre a centenária Casa Vêneto, toda em pedras, a prima Simone Estivalet me disse que o Hotel Lote 20 ficava junto à Casa Estivalet, antes integravam o mesmo imóvel.

Já havia me hospedado no Lote 20, um charme, e naquela oportunidade pressenti que já tinha pisado naquelas terras nos tempos da infância, só podia ser ali a chácara do Tio David Estivalet, casado com a minha tia Méia, na verdade Rosa Amélia, irmã da minha mãe, Juliana. Olhava ao redor e podia jurar que era por ali a velha casa, parte em pedras, parte em madeira, onde os Estivalet, os Leiria e outros tantos se reuniam ao redor do fogão à lenha para conversar, comer, botar roupa para secar e contar histórias das famílias. Onde eu, minha irmã e os primos saíamos à noite com vidros nas mãos. Uma das primas dizia que poderíamos caçar sacis-pererês invisíveis! Eu achava que saci só existia um, e que não era tão pequeno, mas ficava maravilhada com aquela possibilidade, embora o que víamos e tentávamos mesmo aprisionar nos vidros eram besouros e vagalumes. Do rio eu me lembrava bem, tinha uma pequena cascata. Caminhávamos, tios e primos, nos equilibrando sobre as pedras, mergulhávamos na água fresca. Sobre ele, uma pontezinha suspensa por onde passávamos em fila indiana, brincando de sacudi-la para assustar uns aos outros. Na chácara comíamos uva dos parreirais e outros tantos regalos da natureza.

Mas o atendente do Lote 20 não sabia nada da casa centenária – era um forasteiro francês. Quando a prima Simone confirmou que a Casa Estivalet era ali mesmo, junto ao Lote 20, fiquei radiante e emocionada, e ela me mandou belas fotos, que mostro aqui.
E hoje, eu sei que parece mentira, conversando com o Pedro, disse que queria contar um pouco sobre a chácara da infância e falei bem assim:

— Vou ver quando é o aniversário da cidade para publicar algo daqueles tempos saudosos. Ao pesquisar, arrepio percorrendo o corpo, constatei que estamos na semana de aniversário de Bento. Foi no dia 11 de outubro, segunda-feira (escrevo no dia 13), que Bento completou 131 anos. Não bastasse isso, fui conferir no meu álbum de família a fotografia que tenho lá da chácara. Na foto está meu primo Leonardo, com a tia Méia e a minha mãe, lá na Casa Estivalet. Pasma, constato que o registro é também do mês de outubro, ano de 1976.

Já são 23h do dia 13 de outubro, chega por hoje. Amanhã confessarei publicamente esses pequenos presságios.

 

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