Gerânio Egípcio

Denise Accurso

– Esse cheiro… É delicioso. Conheço esse cheiro! Não me diz… Eu vou lembrar… Onde foi que senti esse cheiro bom?
– É gerânio egípcio.
– Ei! Eu disse pra não me dizer! Qual é a tua? Eu ia lembrar. Alguma coisa… Uma sala à tardinha. Sol entrando através das cortinas e deixando tudo meio alaranjado.
– Acho que te lembraste. Eu vejo uns cabelos louros mal presos, caindo em volta daquele rosto tão branquinho… Uns olhos bem verdes, como joia, pestanas e sobrancelhas louras também. O nariz meio grande, o traço mais marcante daquele rosto. Enchia-a de força, de personalidade.
– Os cabelos mal presos! Bem assim! Sempre escapando e esvoaçando, ela ficava com um ar de passarinho perdendo as penas. E os tricôs, bordados e crochês? Lembra?
– Como não? Era uma formiguinha. Se sentava, tinha algum desses trabalhos na mão. Aquelas mãos voavam! Eram toalhas, cachecóis, blusas, guardanapos. Fazia qualquer coisa.
– Acho que aceitava encomendas, não tenho bem certeza…
– Aceitava sim. Vinha gente de longe contratar os trabalhos dela. Na época não se cobrava muito, acho até que pra ela o importante não era o dinheiro, mas a valorização. É o que eu acho.
– Tu lembra melhor que eu.
– Eu era mais velha. Tu eras muito pequeno na época que ela se foi. Eu já tinha 13 anos. Um milagre tu lembrar do perfume dela. Era o luxo que ela tinha. Vinha nuns vidrinhos escuros, uma espécie de óleo que ela punha atrás das orelhas e aquilo parecia uma aura em volta dela.
– Esse cheiro não é comum.
– Ela gostava de ser diferente. Tinha um lado meio artístico.
– Acho que agora estás inventando um pouco…
– Pode ser. Na época eu não pensava nessas coisas com clareza, mas sentia que ela era diferente de todo mundo. Hoje penso que era uma mulher muito dinâmica e inteligente pra se conformar com aquela vidinha, dona de casa do interior…
– Será? Será que foi por isso, então…
– Foi, deve ter sido isso, sim.

 

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