Pequena Luz

Denise Accurso

Aquilo sempre tivera esse efeito calmante para ela. Não era uma coisa só, mas o conjunto. A beleza do horizonte, o cheiro de maresia, a areia nos pés, de vez em quando o beijo das ondas… Não por outra razão correra para lá. Se havia algo, algum lugar, que diminuísse seu sofrimento, seria ali.
Dessa vez o remédio não estava fazendo o efeito desejado. Ao contrário, fruindo daqueles prazeres, pensava no filho, que a eles não mais tinha acesso, e a saudade tornava-se avassaladora. Pela primeira vez desde que tinha memória, estava profundamente infeliz à beira-mar.
A caminhada matinal levou cerca de duas horas. Achou que devia voltar, ou não conseguiria caminhar à tarde. Saiu da faixa de areia, atravessou a rua e entrou num prédio modesto e antigo, onde ficava seu apartamento de veraneio. Era um apartamento pequeno, mas que já tinha abrigado tanta felicidade! Amigos, parentes se amontoavam, coordenavam os banhos no único banheiro disponível. Em dias quentes, levava shampoo e sabonete e se lavava no lado de fora do prédio, no chuveiro destinado a tirar o excesso de areia do corpo.
Dessa vez, tudo estava diferente. O apartamento estava quase vazio, somente ela e o marido. O prédio também parecia vazio, tamanho era o silêncio reinante. Não era verão: a praia e a cidade estavam vazias. Pior ainda, o mundo inteiro estava vazio, frio, indiferente.
Tirou o excesso de areia dos pés descalços. Sequer fizera as unhas, providência antes inafastável para a praia. A pele em volta das unhas estava crescida e dura. As unhas, mal cortadas, tortas, irregulares. Deu-se conta de que não tinha pensado nos próprios pés desde… aquilo. Não pensava em quase nada. Coisas que achava fundamentais haviam deixado de ter sentido.
Entrou no apartamento. Seu marido esboçou um sorriso.
– Nossa, você demorou! Quase fiquei preocupado.
Ela caminhou para ele. De repente, sentiu-se transportada para dentro da lembrança. No chão, atrás de seu marido, estavam dois colchões de casal com lençóis, cobertas e travesseiros em total desordem. Ali, sentados, estavam seu filho com a namorada e o outro casal jovem de amigos. O filho dizia: “nossa, mãe, como tu demorou! Com essa chuva!” Da cozinha vinha o barulho de louça sendo lavada. A cabeça do marido, uma cabeça mais jovem e alegre, apareceu: “ia chamar o resgate”. E riu. “Eu e a Nilza estamos terminando a cozinha”. Sentiu a alegria e a leveza de tudo aquilo. Então, uma parede de chumbo a atingiu. Queria sentar naquele colchão, segurar o rosto do filho e dizer que as notas vermelhas, a bicicleta que ele não pusera o cadeado e fora roubada, a eterna desordem do quarto, o mau gosto com namoradas, todas aquelas coisas não importavam. Ela apenas o queria de volta, com todos os defeitos, todas as imperfeições, queria abraçá-lo, dizer o quanto o amava.
Viu o rosto de seu marido, ansioso, preocupado, cheio de novas rugas, olheiras.
– O que foi? Não chora desse jeito.
Ele devia estar sofrendo tanto quanto ela, mas tentava incessantemente diminuir essa carga. Esse era Jairo, sempre querendo fazer as pessoas se sentirem bem, tentando espalhar alegria.
No meio daquele chumbo pesado, escuro e venenoso em que se sentia imersa, ela enxergou um pequeno ponto luminoso. Estendeu a mão em sua direção até tocá-lo, então o segurou e segurou, não o deixou ir, trouxe para perto, cada vez mais perto. Percebeu que tinha dado a seu filho o melhor pai que alguém poderia ter. a escolha, sabia, tinha sido dela. E escolhera bem.
Naquele momento, soube que a dor não a derrubaria mais.

 

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