Amar, verbo intransitivo

Denise Accurso

Hoje tem prova e Helena não se lembrou. Não lembrou da prova, não estudou. Aluna nota dez, espera se sair bem mesmo assim. Mas ao mesmo tempo sabe que isso é quase impossível para quem anda no mundo da lua como ela.
Helena ama. Pela primeira vez, depois de ter sua corrente sanguínea invadida pela torrente de hormônios adolescentes, ama. E esse sentimento vem com a dramaticidade e o impacto dessa primeira vez. Ela, sempre tão reflexiva, sente-se dominada, refém dessa nova existência, desse novo oxigênio necessário à sua sobrevivência.
Helena ama. Não sabe que ama, acha que “está a fim”, ou “quer ficar” com Cris. Está totalmente absorvida por esse oceano infinito de possibilidades. Ensaia o que dizer, e como, e nada diz. Imagina beijos, abraços, amassos, e sequer o toca. É parecido com uma obsessão, já que não a deixa, pensa, sente, imagina incessantemente nessa possibilidade, nessa janela aberta para uma vida recheada de “adultices”, que pela primeira vez lhe parece interessante.
Inunda-a a falta de controle de si mesma, come pouco e emagrece, dorme menos e sonha mais, deixa-se levar ou é arrastada por essa torrente de impulsos e desejos; o esforço em refreá-los no seu dia-a-dia a consome. Todas as outras coisas perdem importância, tudo é tragado para esse vórtice desconhecido de sensações.
Não está tão fora de si, porém, a ponto de não se preocupar com a prova malfeita. Sabe que não foi bem, não deu o melhor de si, sequer uma revisadinha na matéria. Quando entregam a prova, vê sua nota: pela primeira vez, tirou 6.
Está segurando a prova, olhando pensativamente para a nota… Parece estar recuperando o suficiente do seu auto-controle para lamentar não ter estudado. Fica triste em ter relaxado nos estudos por algo que, no fim, só existe na sua fantasia.
– Não gostou da nota, né, Helena?
Acorda de seu devaneio. Seu amigo e colega Roberto está ali, sorrindo para ela.
– Não fica assim não. Me empresta aqui a prova.
Pega a prova de sua mão e a vira.
– Olha, agora tiraste um nove!
Ela ri, menos da piada e mais do gesto dele, tentando alegrá-la. O olha com esse novo olhar amadurecido. Vê um rapaz interessante.
Cris começa a ser esquecido nesse instante.
Helena ama…

 

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