Acampados na praia

Denise Accurso

ELA


Sim, fazia calor, muito calor, como costuma fazer em janeiro. A barraca estava no olho do sol, transformando seu interior em uma sauna.
Olhei o relógio. Nove da manhã. Ainda estava com muito sono. Do meu lado, Régis dormia de boca aberta, o rosto parecendo engordurado pelo efeito do calor.
Saí da barraca para a praia deserta. Enfiei-me no mar. Ah, que abraço gostoso! Deitei de barriga pra cima naquele leito esplêndido e me deixei embalar pelas ondas diminutas… acho até que cochilei!
Depois de um tempo que me pareceu longo, resolvi voltar e acordar o Régis, pra gente decidir se ia seguir viagem ou dormir aqui mais uma noite.
Olhei em volta e… cadê a barraca? Cadê a moto? Sumiu tudo.
Corri de volta à praia. Não havia muitos pontos de referência, mesmo para alguém dotado de bom senso de orientação. Mas não o sou, me perco até em shopping center. Será que tinha boiado tanto a ponto de mudar de praia? Isso não parecia possível. Por outro lado, o tempo que estive na água era mais que suficiente para o Régis arrumar as coisas e sair. Sequer ouvi o barulho da moto.
As coisas andavam mesmo um pouco estranhas entre nós. Parecia que nossa aventura tinha meio que virado uma rotina, dorme, acorda, desmonta a barraca, anda até a próxima praia, cidade, cachoeira… Andávamos meio cansados e distraídos um do outro.
Mas daí a ele esperar um momento meu de relaxamento e me abandonar no meio do nada, sem roupa, sem dinheiro, sem um telefone sequer! E ainda por cima com fome. Era demais.
Dei uma caminhada pela praia, sem saber o que fazer. Era uma enseada pequena, quase sem sombras. A estrada ficava perto, após uma subida não muito íngreme, era perfeitamente possível alcançá-la e seguir por ela até encontrar alguém ou chegar a algum lugar. Mas o fato de estar usando somente um biquíni me constrangia um pouco. Ainda, temia abandonar o lugar e me perder definitivamente do Régis, caso estivesse enganada e ele voltasse. Essa esperança crescia. Ele podia até querer terminar, mas não o faria dessa forma, levando todas as coisas, deixando-me sem o celular, sem um documento sequer!
Sentia lágrimas chegando. A dor da perda me atingiu. Tudo o que queria era que ele voltasse. Certamente alguma coisa tinha acontecido pra ele sair assim.
O calor aumentava. Resolvi tentar chegar à estrada. O início da caminhada foi tranquilo, mas após uns dez minutos meus pés descalços começaram a incomodar. Não conseguia ver e duvidava de mim mesma. Será que lembrava direito? Olhei para trás e vi a praia. Resolvi voltar.
Estava chegando à areia quando vi Régis, também chegando à praia, empurrando a moto.
– Régis! Graças a Deus!
Corri até ele e pendurei-me em seu pescoço.


ELE


Acordei com dor de cabeça dentro de um verdadeiro inferno de calor. Procurei achar Antônia ao meu lado. Tateei e nada encontrei. Onde ela estava?
Fiquei bastante aborrecido por mais essa desfeita. Estava fazendo de tudo para que ela curtisse nossa viagem, e parecia que nunca era o suficiente. Ela ficava se isolando, às vezes parecia que preferia estar sozinha. Não consigo entender como alguém pode estar descontente diante dessas praias maravilhosas onde temos acampado.
Agora ela saiu pra se divertir sozinha e me deixou aqui, nessa sauna. Era só o que faltava. Está passando da hora de eu entender a mensagem: essa guria cansou de mim. Está a fim de seguir outros roteiros, com outras companhias.
Saí da barraca, olhei em volta e nem sinal dela. Ora, vai se foder!
Nunca desmontei uma barraca tão rápido. Amarrei tudo no banco do carona, agora desocupado. Ela me abandonando assim, achou o quê? Que eu ia procurar por ela? Ficar chamando pela praia deserta?
Lembrava bem o caminho pelo qual tinha descido até a praia. Empurrei a moto até ele, e fui. Logo cheguei na estrada. Depois de um tempinho a indignação foi passando e dando lugar ao vazio. Tudo aquilo não teria sentido sem a Antônia. Ela era a pessoa animada, sempre querendo novidades, querendo aprender, conhecer tudo, conversar com todo mundo… Era pouco provável que a Antônia tivesse ido embora só de biquíni, sem pegar as coisas dela. Eu estava muito furioso quando empacotei tudo, mas fiquei com a impressão de que até a bolsa com celular e documentos tinha sido deixada. E se ela tivesse entrado no mar? Talvez simplesmente tivesse ido tomar um banho pra se refrescar.
A estrada estava vazia. Dei meia volta, esperando não estar fazendo papel de idiota. Ia dar uma olhadinha só, se ela não estivesse lá, azar.
Estava chegando novamente à praia quando ouvi o grito:
– Régis! Graças a Deus!
E uma Antônia amorosa como antigamente atirou-se no meu pescoço.

 

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