Quatro dias no Leblon

Marta Leiria

Deixei a máscara cair a fim de posar para a foto junto ao Papai Noel ciclista plantado no calçadão do Leblon. Desde que voltei do Rio de Janeiro, no dia 13 de dezembro, minhas mãos e minha cabeça estavam ávidas para escrever sobre o bairro, mas parecia que não era o momento para escrever, e principalmente para publicar crônica de viagem. Viajar numa hora dessas??? O que me fez mudar de ideia foi o providencial artigo enviado justamente do Rio pela minha amiga Verbena, que lá reside, somado à pilha que ela me botou para ter coragem de escrever. É da colunista da Gazeta do Povo, Bruna Frascolla, publicada no dia 15/12, intitulado “Notas de uma genocida sobre os comportamentos na pandemia”. Imperdível. Para todos? Claro que não. Digo e repito: nada é para todos. Parafraseando o Nelson Rodrigues, o que seria de mim sem minhas repetições? Sugiro, caro leitor, que leia estas frases e avalie se a colunista Bruna merece ser lida por você: “Antes genocídio demandava poder e tecnologia. Hoje, não. Basta sair de casa e pronto: somos genocidas.” Ou: “Hoje, ao que parece, o genocídio ficou acessível ao cidadão comum. Basta sair de casa para comprar tomates, ou para visitar a família, ou para tomar um chope com os amigos, e pronto: somos genocidas. Uma verdadeira democratização do acesso ao genocídio’”. Mais uma: “Se esta herege aqui puder dar um conselho, é este: não viva sob tensão. Tensão só serve para situações emergenciais que demandem reação física rápida. Tensão mata no longo prazo e embota o pensamento. Vejo mais suicidas do que genocidas por aí.”

Já nesta minha crônica sobre o Leblon, contarei da nossa experiência na cidade maravilhosa, para a qual rumamos em razão da necessidade de o Marco estar numa reunião de trabalho presencial. Não perco os eventos psi. O último tinha sido no ano passado, também no Rio, e escrevi e publiquei no meu site sobre os “Sete dias na Macumba”. Eu durmo com o inimigo. Explico: o Marco é médico-psiquiatra e tem trabalhado incessantemente nesta pandemia, jamais deixou de ir para o hospital ou de cuidar de seus pacientes no consultório. Então, desde o início da pandemia as suas idas e vindas expunham, de alguma forma, toda a família a risco diário de contaminação, o que nos manteve sempre atentos às regras de higienização e segurança. Mas sem pânico. Ele se sentia mais seguro dentro do hospital, seguindo os protocolos, do que nas aglomerações em supermercados. Por falar nisso, muitos chamam médicos de heróis mas fogem deles como o diabo da cruz em condomínios por medo de se contaminarem Ainda bem que moro em casa solta.

Fui muitas vezes ao Rio, mas só uma vez nos hospedamos no Leblon, queríamos voltar. Outra referência à Verbena: quando o marido dela, o Walmir, não pôde mais viajar para longe em razão de doença, eles tiveram a ideia genial de fazer a malinha no seu apartamento de Copacabana e sair de casa para se hospedar nos bairros cariocas e cidades próximas. E vivenciar o local. Foram a Niterói, Petrópolis, Botafogo, Centro (perto da Igreja da Candelária), Catete, Largo do Machado. O próximo seria o Leblon. Infelizmente ele faleceu antes de fazer a curta viagem. Queríamos aproveitar para viver o bairro sem depender de meios de transporte, fazer tudo a pé, como o Walmir e a Verbena. O Walmir dizia frases inesquecíveis. Uma vez contei que estava louca pra correr nos calçadões do Rio de Janeiro, e ele me veio com esta: “Credo, correr no Rio de Janeiro, que ideia! Tanta coisa boa pra fazer...”. Outra vez, logo que tive meu segundo filhote, o Antônio, fui para Garopaba cuidar do rebento. Amamentava e pegava ondas de Morey. Emagreci 10 quilos em dois meses, nem a moça que me vendia água de coco me reconheceu no final da temporada. O Walmir me disse que meu caso era inédito, nunca tinha visto ninguém emagrecer daquele jeito nas férias. Agora descobri que o Walmir, como eu, era fã do Bracarense.

Aqui vou contar um pouquinho só sobre minhas longas caminhadas no Rio (virei andarilha, os tempos de corrida se foram) e detalhar um pouco a nossa experiência gastronômica. A quem interessar possa.

Nos hospedamos na Ataulfo de Paiva, junto à Dias Ferreira, quase em frente ao restaurante Le Blond, bistrô da marca do Chef Claude Troisgros. No dia da chegada, almoçamos no Bracarense, com direito a chopp garotinho, empada de camarão e bolinho de bacalhau. E voltamos para jantar em outro dia, quando experimentamos o pernil acebolado. Tudo divino. Eu gosto tanto desse lugar que ambientei uma crônica do meu livro solo por lá, “O canto fúnebre do carioca”.

Na primeira noite jantamos no Le Blond. Chegamos sem qualquer pé atrás, consultamos o cardápio e não nos informamos sobre a apresentação dos pratos, imaginamos que seriam pratos individuais e pedimos dois. Iguais. Vieram duas panelinhas de penne com cordeiro desfiado e cebola caramelizada. Uma delícia em quantidade absurda. Mas vencemos e aprendemos a antes perguntar sobre a quantidade e depois pedir...Amei a entrada. Suflê de queijo com gorgonzola. Espumante Adolfo Lona, de Garibaldi. Quanto falamos em pedir água, o garçom ofereceu a italiana San Pellegrino. Uma vez no Copacabana Palace pedimos água com gás e veio essa. A mais cara. No Le Blond lembrei da lição da filhota. No Rio servem água da casa, filtrada e com gelo. Ótima opção. De graça.

Preço justo e comida japonesa de primeira? O Gurumê, em Ipanema. Espumante também do Adolfo Lona para mim, saquê para o Marco. Pertinho do hotel fomos no Nola, excepcional. Preços para todos os bolsos. Muita gente jovem, erámos os mais velhos do restaurante (dica dos filhos). Entrada: nhoque crocante com molho de queijo trufado e grana padano. Escolhemos o Fettuccini da Casa com ragu de cordeiro e cebola crocante. Espumante Adolfo Lona, de novo! A sobremesa: cheesecake de banana com doce de leite. Tudo compartilhado desta vez. Duas vezes fomos tomar sorvete na sorveteria Momo, também na Dias Ferreira, com a casquinha feita na casa. Digno de nota.

A melhor experiência gastronômica da viagem? O restaurante D’Heaven. Já tínhamos ido no ano passado, fica no Village Mall, na Barra da Tijuca, bairro onde ocorreu a reunião do Marco. Mas não sabíamos que era de uma renomada Chef, só estranhamos a fila. O filhote mais velho, que cozinha bem demais e assiste a reality shows gastronômicos, perguntou o nome do restaurante quando viu os registros fotográficos dos pratos. Não sabíamos, mas lembrei que tinha tirado uma foto do garçom com um boné mostrando o nome do restaurante. Ele conhecia e nos contou sobre o assunto. Resumindo, cada prato melhor do que o outro. Caro, mas tivemos a sensatez de compartilhar os pratos. De entrada, bolinhos de uma massa similar à de profiteroles, só que salgado, com molho de alho. O prato principal, paleta de cordeiro. Para ter uma ideia do que é a iguaria: paleta lentamente assada, desfiada e prensada sobre cama de gnocchi de batata, farofa de brioche e crispy de cebola, ao fondant de grana padano, demi glacê e brotos orgânicos de rúcula. A sobremesa? Esfera de chocolate amargo recheada com sorvete e outras maravilhas com calda de chocolate amargo. Sim, devem ter reparado que o cordeiro reinou soberano nesta viagem.

Quanto às caminhadas, resolvi que “precisava” sair do Leblon, passar por Ipanema, Arpoador, Copacabana e chegar no Leme. O mesmo trajeto que fiz no ano passado. E depois voltar, com parada estratégica no Copacabana Palace para a indefectível caipirinha. O Marco achou a ideia insana. Nos encontramos na volta da caminhada, no Arpoador, onde tomamos um banho de chuva daqueles. Do Leblon à Pedra do Leme, 8,8 km. Cheguei cedo demais no Copa e só tomei água. Uma pena. Minha filha fez a piada: devia ter pedido a água da casa para não gastar nada. Era o dia de voltar a Porto Alegre. Percorri, pasmem, 26,2 quilômetros, contando as demais caminhadas do dia. Mais do que a 2ª Meia Maratona do Servidor Público que fiz correndo nos idos de 2008. Mas essa é outra história, e está também registrada no meu livro solo: “As metas e a vida”. Quilometragens dos demais dias: 17,9km, 18km e 17,2km. Se eliminei todas as calorias consumidas com tanta caminhada? Não, mas que ajudou, ajudou. Hoje ficamos por aqui. Tudo isso me deu fome, hora de jantar. Até a próxima viagem!

PS: estou pensando em pedir para a doutora em filosofia, ensaísta e tradutora Bruna Frascolla ser minha amiga no Facebook, já vi que temos seis amigos em comum.

 

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