O Encontro

Marta Leiria

Após quase três meses de quarentena, convivendo apenas com livros, família e tela de computador, e sem previsão de nova data para o concurso adiado em razão da pandemia, Kátia sente que é chegada a hora de ver outras gentes de perto, sair com as colegas e amigas para desopilar, falar bobagens, rir à toa. Ah! a tal democracia, tão louvada por elas nos livros de Direito Constitucional... elabora uma listinha de regras e procura blindar a proposta após longa reflexão.

Toma coragem e propõe encontro presencial em um bar. Apresenta as normas a serem seguidas para que não haja risco de eventual contaminação. Não revela, mas pensa: “vai saber, de verdade, o que as outras andam fazendo por aí”. Nas redes sociais, onde reina a hipocrisia, muitos, apesar de ostentarem o distintivo “fique em casa”, não estavam embaixo da cama como tentavam fazer crer. Postavam fotos de ruas arborizadas, de pássaros flagrados pelo caminho, de ciclistas à beira-mar. Conhecedora das amigas, foi fácil adivinhar os óbices por elas vislumbrados: duas acham temerário o encontro, melhor ficar no virtual. As outras duas aceitam, mas consideram as regras rígidas demais. Por fim, entram em acordo e aceitam a proposta inicial, norteada pelo bom senso.

Chegam no horário combinado, abanam umas para as outras com suas luvas, mandam beijinhos através das máscaras, quanta saudade! Vem o garçom, também com máscara e luvas, e fazem o pedido, mantendo a distância regulamentar de dois metros umas das outras no amplo pátio arborizado do bar. Pedem espumante, brindam à amizade, à saúde, à vida! Mais animadas, e constatando que nenhuma apresenta sintomas de infecção pelo tal do coronavírus, começam a achar bobagem ficarem em pé e distantes umas das outras. Uma delas propõe pedirem mais uma garrafa e umas comidinhas, por que não se sentarem à mesa? São muitos os assuntos pendentes.

Então começa uma discussão ferrenha entre os dois grupos. Quando Kátia, em um acesso de mau humor, lembra a todas que era para ficar só em um cálice, mantendo distância umas das outras, e cobra a manutenção do acordo, uma lança: - Lá vem ela, Kátia, a generala! Todas riem. Vociferam que aquilo tudo é um exagero e que farão o que bem entendem, essa é a verdadeira democracia!

Kátia perde as estribeiras, xinga as amigas e vai embora dali. Já quase em casa, lembra-se que não pagou a sua parte da conta e volta ao bar, não pedirá nada àquelas ingratas tratantes.
Ao chegar, Kátia se depara com as amigas todas abraçadas, rindo e estranhando a volta da generala, que, indignada, joga uma nota de cinquenta reais no chão e sai correndo do tão planejado encontro presencial.

 

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