Helena e Ivone

Denise Accurso



Mal acabara de abrir o salão, Helena vê se aproximar uma senhora, com jeito humilde. Seu olho treinado viu que o cabelo, preso numa espécie de coque, estava com raízes grisalhas enormes. As roupas eram bem caretinhas, camisa e calça de poliéster, uma bolsa grande também surrada, sandália de salto baixo que já vira melhores dias.
– Bom dia – disse a mulher timidamente.
– Bom dia. Em que posso ajudar?
A mulher murmura. Helena não escuta.
– Dá pra falar mais alto?
Olhando para o ar meio agoniado da estranha, sente pena.
– A senhora não quer entrar? Tomar um cafezinho?
A mulher balança a cabeça, aceitando.
Já sentada e com o café na mão, termina se apresentando.
– Meu nome é Ivone. Estou desempregada há muito tempo… Acabo de conseguir emprego com o Guto, ali da lancheria. Só que ele disse que se eu quiser trabalhar com ele, tenho que arrumar meu cabelo.
Do nada a mulher explode em lágrimas. Chora silenciosa e convulsivamente, com as duas mãos no rosto. Helena não sabe o que fazer. Afinal, é uma estranha, não está à vontade para um abraço, especialmente nesses dias em que vivemos em que abraçar alguém é quase uma agressão. Decide tentar desanuviar o ambiente:
– Mas que coisa boa que nessa época de tanto desemprego tu conseguiu trabalho, Ivone. Isso é motivo pra riso, não pra choro! Vamos arrumar esse cabelo e tu me pagas no fim de semana. Deixa só eu me organizar aqui.
Pega o telefone e deixa Ivone se recompondo. Passa um waths para o Guto confirmando a história. Já caiu em alguns golpes, já levou alguns calotes pra sair confiando assim numa estranha.
Guto confirma ter contratado uma senhora, não lembra o nome mas está com o cabelo metade branco, metade preto. Só pode ser a mesma pessoa. “Vou atender”, pensa. Olha o relógio. Não pretendia atender ninguém àquela hora, viera mais cedo pra limpar e organizar o espaço. Resolveu confiar nos seus instintos. Simpatizara com a tal de Ivone.
– Então vamos lá! Diz em tom alto e alegre. A outra já se recompôs e sorri.
Prepara a tinta e aplica no cabelo da nova cliente. Ela lhe faz um resumo de sua vida e das crescentes dificuldades. Conta que será avó em breve. Helena comemora:
– Meus parabéns! Uma criança sempre traz alegria, renovação pra família.
Enquanto espera a tinta agir, chegam outros clientes e a manicure, que oferece seu serviço à Ivone.
– Muito obrigada, mas por enquanto não. Talvez, depois que eu receber…
Helena pede licença à cliente agendada:
– É bem rapidinho, só vou lavar e secar o cabelo dela. Ela vai começar hoje na lancheria do Guto e dei uma encaixadinha pra arrumar o cabelo dela. Estava precisando!
A cliente concorda. Helena lava e seca o cabelo de Ivone.
– Pronto! Tá linda!
Abre uma fichinha e anota o débito da nova cliente, que vai embora. Uma partezinha dela teme nunca mais vê-la, nem a seu dinheiro.
O dia vai se passando, agitado como sempre. Esquece um pouco de Ivone.
A semana passa. Helena até já esqueceu de Ivone. Os dias vão se sucedendo, passa outra semana.
Um dia vê Guto no portão e imediatamente lembra de Ivone e do trabalho não pago. Uma espécie de revolta a agita. Sempre yenta ser legal com os outros e é esse o resultado. O que será que o Guto quer com ela?
– Olha, estou aqui a pedido da Ivone. Infelizmente, ela está isolada. Saiu a confirmação, está com Covid.
– Meu Deus! Como ela está? Faz tempo que desconfiava?
– Olha, só passei aqui rapidinho porque ela me pediu pra te pagar. Por enquanto está em casa, mas não está muito bem não. Mandou dizer que foi deixando, deixando pra depois teu pagamento, pede desculpas, agradece muito, diz que nunca vai esquecer do favor que tu fizeste a ela.

 

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