Reunião

Denise Accurso

Grazi se arrastava naquela manhã. Estava se sentido sem energia alguma. Precisava fazer alguma coisa, mudar de emprego, mudar de setor. Ir para o trabalho havia se convertido em tortura.
Arrumou-se de qualquer jeito e saiu de uma vez. Ia apreensiva no ônibus. Pensava em estratégias para evitar as situações inconvenientes. Pedia a alguma divindade que intercedesse em seu favor… Deuses e santos não estavam interessados no seu infortúnio. Como acontecia muitas vezes, sentiu-se egoísta. Havia pessoas lidando com guerras, doenças, miséria, tortura, e ela se preocupava e sofria por causa daquela situação no seu trabalho. Talvez não tivesse direito de rezar pedindo um fim àquilo. Talvez merecesse o que lhe acontecia.
Desceu do ônibus e entrou no prédio. Passou o cartão de presença e a catraca foi liberada. Cada passo a aproximava de sua sala. A cada passo, sentia-se mais e mais asfixiada. Chegou arfante à sua mesa. Deu um “bom dia” quase inaudível. Quase ninguém levantou o olhar, apenas Milena, na mesa ao lado da sua, sorriu para ela e respondeu: “Bom dia!”
Com uma piscada cúmplice, avisou:
– O coisa-ruim não chegou ainda.
Grazi sentiu os pulmões se abrirem. Conseguiu até sorrir.
O alívio terminou por volta das dez, quando ouviu aquela voz que aprendera a odiar dizendo, bem alto:
– Bom dia!
Variados resmungos em volumes diversos responderam a saudação.
– Reunião em dez minutinhos, pessoal. Grazi, providencia café para todos, sim?
Ela levantou-se apressadamente, derrubando alguns papéis. Enquanto se abaixava, pode sentir o olhar cáustico e maldoso em seus ombros, suas costas. A respiração tornou-se difícil novamente. Pairava no escritório um silêncio artificial. Grazi estava quase em lágrimas. Que coisa idiota!
Quando levantou com os documentos, estava vermelha e ofegante. O chefe não havia se mexido e a olhava, com ar desgostoso. Passou por ele em direção à cozinha, encolhendo-se para aproximar-se dele o mínimo possível.
Enquanto passava o café, refletia. Porque se sentia assim, idiotizada, pateta, atrapalhada? Tudo bem, o Bruno parecia implicar com ela desde que ele assumira a coordenação do escritório. Seu jeito mais retraído, sua insegurança para falar em público o desagradavam, como ele várias vezes tinha dito. Achou que a qualidade do seu trabalho o convenceria de aceitá-la como era. Não funcionou. As críticas constantes acentuaram sua já imensa insegurança. No afã de tentar agradar, atrapalhava-se, deixava coisas cair, cometia erros e, o que mais a perturbava, ficava muda. Não conseguia emitir nenhum som. Repetia para si mesma que nada daquilo era realmente grave ou importante. Estava ali, ganhava bem, gostava do que fazia.
Começou a tentar ignorar Bruno. Não adiantou, ele não a ignorava. Além das palavras, sentia os olhares, o deboche. Ele começou a lhe pedir coisas constantemente, como agora, esse café para a reunião. Era sempre ela. Queria protestar mas não conseguia. Muitas vezes sequer conseguia olhar para ele. Só respirava, só ela era mesma quando ele não estava.
Arrumou as xícaras, contando-as certificando-se que não faltaria nenhuma. Colocou o café na térmica, pegou o açucareiro e o adoçante, arrumou tudo na bandeja e foi para a sala de reuniões.
Alguns já estavam lá. O Bruno logo chegou, seguido pelo restante dos funcionários. Todos começaram a se servir de café. Bruno pegou o açucareiro e fez uma careta. Abriu-o e virou-o para Grazi
– Está VAZIO!
Ela adiantou-se, tropeçando nas pernas da cadeira, pegou o açucareiro e foi para a cozinha voando, mas ainda ouviu a voz de Bruno dizendo: “tem gente que não serve pra NADA!”, seguido de alguns risos.
Sentiu-se magoada, injustiçada. O que mais a feriu foram as risadinhas cúmplices.
Largou o açucareiro diante de Bruno, que pareceu não vê-la. Tinha iniciado a reunião como se ela não existisse.
Grazi sentiu algo se agitando dentro dela. Era uma revolta, uma indignação, a certeza de que não merecia nada disso. Estava sendo tratada como o bode expiatório da equipe e aceitando aquilo. Sentir aquela dor, aquela angústia todos os dias… Será que isso valeria a pena?
– Bruno. Trouxe o açúcar. Queres que te sirva de café? Ela disse, olhando dentro dos olhos dele.
Bruno, sem parar de falar, acenou positivamente com a cabeça.
Grazi pegou a térmica de café e virou. Toda. No colo dele.

 

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