Procurando emprego

Denise Accurso

Às seis e trinta, o som insistente do alarme do celular começou a incomodar. Desligou-o. Antes mesmo de ter consciência disso, sentiu o calor. Abrasador já àquela hora da manhã. Ia ser outro daqueles dias de verão em Porto Alegre, aquele calor intenso e desanimador.
Ivone sentou na cama. Jogou as pernas para fora. Levantou.
Mais um dia. Mais um dia em busca de emprego. Mais um dia de esperas entediantes, de gastos inadmissíveis. Tentou manter o otimismo. Ia aparecer alguma coisa. Qualquer coisa já estaria bom. O governo não estava mais pagando o auxílio emergencial. As contas não paravam de chegar. A gravidez da filha já ia adiantada, não havia possibilidade de a guria conseguir emprego. Isso cabia a ela.
Suspirou. Saiu da cama, tomou uma ducha. Aplicou uma camada generosa de desodorante. Pensou um pouco e colocou-o na bolsa. Talvez conseguisse reaplicá-lo quando o calor vencesse a batalha contra o produto.
Pôs a roupa de procurar emprego. Tinha lavado a camisa na noite anterior e, claro, com aquele clima, estava totalmente seca. Prendeu o cabelo. A raiz grisalha já ia pela metade da cabeça, mas não podia se dar ao luxo de comprar sua tinta. Não com a chegada do neto, não com o corte do auxílio. A filha tinha tentado convencê-la, dizendo que era uma questão de boa aparência para sua busca. Era uma ironia cruel, quando estava trabalhando nunca ficava com o cabelo daquele jeito, ia semanalmente ao salão, cuidava das unhas, do cabelo… Agora, quando mais precisava parecer bem cuidada, caprichosa, não podia se permitir esses mimos.
Antes das sete e meia estava na parada de ônibus. Na bolsa, algumas anotações em papéis avulsos, indicações que lhe deram, pessoas a quem procurar, estabelecimentos com vagas, placas pedindo emprego que conhecidos anotavam e lhe passavam. Não havia dinheiro para jornal, nem para internet no celular. O seu, aliás, era pai-de-santo, como dizia a filha: só recebia. Em poucos dias precisaria por crédito ou até o recebimento de chamadas seria cortado.
Sua primeira parada seria numa lancheria no Menino Deus que precisava de alguém que entendesse de caixa, dica de uma vizinha. Era sua área de trabalho, podia dar certo. Depois, iria ao centro para dar uma passada no Sine e, ainda no centro, entraria nas lojas indagando acerca de vagas. Para o próximo passo teria que consultar novamente os papéis na bolsa.
Eram oito horas e dois ou três minutos, no máximo, quando chegou à lancheria. Estava fechada, só abria mais tarde, como já tinham lhe dito. Bateu palmas. No andar superior, abriu-se uma janela e apareceu um rapaz, sem camisa, com o cabelo desgrenhado e cara de sono.
– Pois não?
– Oi, meu nome é Ivone. Sou vizinha e amiga da Maria da Glória, ela me disse pra vir aqui e falar com…
Esquecera do nome. Abriu a bolsa, procurando o papel certo.
– É comigo. Já vou descer.
Ai, isso mesmo. Guto. Como pudera não lembrar? Ela espera, na calçada, sob aquele sol escaldante, por um tempo que lhe pareceu longo demais.
Finalmente ele a recebeu na calçada, apertou-lhe a mão.
– Vou ser bem sincero com você. Não quero te fazer perder tempo. Quando a Glória me falou de ti, pensei que era uma pessoa mais nova.
Ai! Parecia que tinha levado um tiro.
– Olha… Seu Guto… Eu tenho muita… muita saúde, nem parece que tenho idade…
Sentindo que o rosto ficava vermelho, insistiu:
– Se o senhor me der uma chance, não vai se arrepender. Eu trabalho muito! E pode perguntar pra Glória, sou honesta também. Prefiro perder um braço a mexer com o que não é meu.
Guto, que estava coçando a cabeça com ar pensativo,ao ouvir o final da frase, sorriu.
– Quer dizer que nunca ia poder trabalhar com política!
Ela tentou achar graça; estava nervosa demais.
– Ivone, não posso me dar ao luxo de ter alguém só no caixa. Quem pegar aqui, vai ter que pegar junto, ajudar em tudo, a atender, a preparar lanche, a limpar… É meio pesado. E não tenho ar-condicionado, é tudo só no ventilador.
Ela sente um fio de esperança:
– Então eu sou a pessoa certa para o senhor! Faça uma experiência comigo.
– Outra coisa é que não posso pagar mais que o salário. Dou a comida aqui e vale-transporte – o ar dele é de dúvida.
Ela está suando, não só por conta do calorão, mas de nervoso.
Guto abre a porta metálica, revelando uma lancheria pequena, com um balcão com banquinhos.
– Se o senhor pudesse me dar uma chance – ela torce as mãos.
Ele olha para ela:
– Podemos fazer uma tentativa, então, já que a Glória te indicou. Ela falou muito bem de ti. Mas sem carteira assinada, pelo menos no começo. E sem folga também. É de domingo a domingo. Posso pagar por semana.
Ela é invadida por um profundo alívio. Tem vontade de abraçar o rapaz, mas se contém.
– Abrimos às onze, fechamos às vinte e três. É melhor chegar às dez e meia.
Ele diz, olhando pra ela:
– Quero deixar bem claro que vou fazer isso pela Glória e a amizade com a família dela. Estou achando, inclusive, que vou me arrepender!
– Ai, nossa, seu Guto, eu garanto que o senhor não vai se arrepender não, eu quero muito, preciso demais desse emprego. Que Nossa Senhora abençoe o senhor por me dar essa oportunidade.
– Então tá. Volta aí dez e meia.
Ela já está pensando em como matar o tempo que resta. Se tivesse crédito no celular ia ligar pra filha e dar a boa notícia. Está andando pela calçada, feliz, quando ouve o futuro patrão lhe chamar:
– Ei! Ivone! Ei!
O suor parece congelar no seu corpo. Ele vai dizer que não vai dar, que quer alguém mais novinha, com melhor aparência…
– Tudo bem a pessoa não ser mais novinha, mas não é desculpa pra relaxamento. Aproveita o resto da manhã pra dar um jeito nesse cabelo ou então nem precisa voltar aqui.

 

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