Cuidadora de Idosos

Denise Accurso

Ia começar na sua profissão, finalmente! Estava deixando o passado para trás. Queria esquecer todos os erros. Sentia-se como uma folha em branco, iniciando não um novo capitulo, mas um novo livro.
Sempre gostara de pessoas mais velhas. Tivera o privilégio de conviver muito com seus avós. Talvez por isso tenha sido a aluna mais destacada no curso de cuidadores da terceira idade. Tivera ótimas notas, tanto nas matérias teóricas como na prática. Sua aparência frágil e delicada escondia uma mulher forte, determinada, de grande vigor físico, muitas vezes necessário nessa profissão. Podia ter que ajudar a acomodar pessoas em cadeira de rodas, ou a tirar da cadeira, o que demandava força.
Força tinha de sobra… para o bem e para o mal. Afastou os pensamentos que chegavam, abanando a mão como se espantasse uma mosca. Aquilo estava encerrado e não pertencia a esse novo livro que estava iniciando.
Passou a mão em seu uniforme impecável e entrou com o pé direito. Foi recebida pela enfermeira que seria sua chefe.
– Seja bem-vinda, Paula!
Mostrou-lhe todas as dependências. O asilo era enorme, extremamente limpo e bem-cuidado. Tinha cerca de duzentos residentes, divididos em três alas: os totalmente independentes, os com limitações físicas e os com problemas cognitivos. Paula iniciaria suas atividades junto aos com problemas físicos. Sua ala contava com cerca de 70 residentes e haveria sempre, em cada turno, sete cuidadores. Esse era o padrão do lar.
Paula atirou-se apaixonadamente ao trabalho. Sua dedicação e cuidado logo a tornaram querida por colegas e residentes. Em suas horas de folga, procurava aperfeiçoar-se. Estudava as patologias dos idosos sob seus cuidados e tentava ajudá-los da melhor forma possível. Estava imensamente feliz com o trabalho e o reconhecimento de sua competência e talento para a atividade. Amava o que fazia, adorava os velhinhos, e as ressalvas que tinha com alguns colegas, que considerava displicentes, guardava para si. À noite, rezava, agradecendo e pedindo que Deus a mantivesse assim.
Depois de alguns meses, teve certeza de que o passado não voltaria e tudo estava superado.
Era mais uma manhã de trabalho. No vestiário, colocou o uniforme impecável. Sabia que não estaria assim no final do dia; ossos do ofício. Mas pelo menos começava o dia no maior capricho.
– Hoje o seu Agenor está de mal humor.
Paula riu.
– Obrigada por me avisar. Vou pegar ele primeiro para o café da manhã.
Bateu à porta do velho senhor e a abriu, enquanto rememorava suas patologias e restrições alimentares. Ele estava sentado na beirada da cama, de costas para a porta, curvado sobre os joelhos. Parecia estar comendo ou bebendo alguma coisa. Paula imaginou que fosse bebida alcoólica ou algum alimento proibido para ele, que é diabético.
– Seu Agenor, vamos para o café da manhã?
Sem se virar ele acenou com a mão e disse, pronunciando mal as palavras:
– Depois. Volta depois.
E continuou ali, curvado.
Sem demonstrar desconfiança, Paula entrou no quarto.
– Por que depois, Seu Agenor? Hoje vim buscar o senhor primeiro, vai poder escolher o melhor lugar. O meu amigão não vai me fazer essa desfeita…
Aproximando-se do idoso, colocou a mão em seu ombro, tentando ver o que o velho escondia.
Ele se virou rapidamente e lhe jogou um líquido, enquanto gritava:
– Sai daqui, sua bruxa!
Paula olhou para seu uniforme e viu que estava banhada em vinho. Começou a sentir um formigamento e tentou se controlar. Foi em vão.
Quando acordou, estava presa a uma cadeira com correias. Já sabia, o que mais temia acontecera. Ao contrário do que acreditava, não estava tudo superado.
Como será que seu Agenor estava? Até hoje, não tinha matado ninguém. O psiquiatra a advertira que aquilo podia voltar a acontecer, mas não lhe dera crédito. Não podia acreditar que realmente era portadora dessa tal de Síndrome de Hulk. O nome era infantilóide, ridículo. Acreditara firmemente ser capaz de se controlar sem ajuda. Fracassara. Pusera tudo a perder.
– Paula. Estás acordada?
– Estou. Como está o Seu Agenor?
Paula chorava. O desconhecido de jaleco aproximou-se dela e pôs a mão no seu ombro.
– Eu sou o médico que vai cuidar de você. Minha parte é somente a clínica; A polícia já deve estar chegando.

 

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