Sangue na cozinha

Denise Accurso

Havia sangue no chão da cozinha, e não era pouco. Estava tudo tomado de sangue, chegava a ver uma pequena lagoa no centro da cozinha.
Joel cambaleou em direção ao quarto da mãe. A porta estava fechada. Ia bater, quando ouviu a voz:
– Não entra aqui!
Continuou cambaleando, apoiando-se na parede do corredor, arrastando-se de joelhos. Tentava lembrar do que tinha acontecido. Estava dormindo, era a última coisa que lembrava, o aconchego da cama, o doce amortecimento dos sentidos, e depois aquele grotesco despertar diante de um lago de sangue. Não havia qualquer transição.
A porta do banheiro também estava fechada. Levou a mão ao trinco. Novamente, a voz:
– Aqui também não. Não entra!
Sentou no chão, apoiando o rosto nos joelhos. Percebeu que estava nu. Com muito frio, cansado, dolorido. Não havia explicação para isso. Tudo parecia um pesadelo, mas era real demais. Arrastou-se pelo chão. Chegou ao extremo do corredor, onde havia uma janela que dava para a rua. Suas forças estavam exauridas, cada movimento era difícil.
Ergueu-se sobre os cotovelos, espichando o pescoço. A muito custo, começou a se por de pé. Espiou o lado de fora. A noite vinha chegando ao fim. As primeiras luzes do novo dia já se faziam anunciar, tornando a escuridão menos densa.
– Te abaixa!
Jogou-se no chão. Não sabia de quem eram aquelas ordens, mas as obedecia sem questionar. Precisava, contudo, descobrir o que estava acontecendo e porque havia todo aquele sangue na cozinha. Só que estava se sentindo sem força sequer pra raciocinar.
Que fazer? Resolveu voltar para o seu quarto. Talvez esperar o amanhecer e tentar descobrir o que tinha acontecido na cozinha. Ou então ligar para a polícia. Enfim, algo teria que ser feito.
Começou a voltar. A porta do seu quarto ficava no lado oposto à dos seus pais. Dessa vez nenhuma voz opôs-se à sua entrada.
Fechou a porta atrás de si, encostando-se nela. Respirou e começou a se erguer. Tudo estava tranquilo e pacífico. Sua cama, com as cobertas abertas de forma quase convidativa, como se fosse um abraço de que necessitava muito. Embora soubesse que devia fazer alguma coisa, procurar explicações ou chamar a polícia, aquele chamado foi irresistível. Deitou-se, com a secreta esperança de que, quando acordasse, tudo se revelasse como um sonho terrível.
Acordou com a campainha tocando furiosamente. Levantou-se, enfiou uma bermuda de qualquer jeito e atendeu. Era a polícia.
– Bom dia. Você é Joel dos Santos?
– Sou.
– Mora aqui sozinho?
– Não, com meus pais. Eles ainda estão dormindo.
– Recebemos uma denúncia anônima. Alguém falou de gritos e tiros durante a madrugada, vindos dessa casa. Você sabe de alguma coisa?
Joel estremeceu.
– Olha, não ouvi nada. Mas tem uma coisa estranha na cozinha. Por favor, entrem.
Os dois policiais entraram. Joel os levou à cozinha. Com desagrado, constatou que o sangue continuava lá. Um dos policiais assobiou.
– É muito sangue! Como isso veio parar aqui?
– Não sei. Acordei e vi isso.
Houve uma troca de olhares entre os dois policiais.
– Podemos dar uma olhada?
– Claro, claro! Também quero saber o que aconteceu. Vou chamar meus pais. Eles tiram o aparelho auditivo pra dormir e preciso tocar neles ou abrir a janela para que acordem.
Joel chega à porta do quarto e abre. A cama está vazia!
Ao mesmo tempo, os policiais o chamam:
– O que significa isso?
O freezer está aberto. Joel olha pra dentro e quase cai diante da imagem horrenda: as cabeças de seus pais, seus rostos virados pra cima! Também vê de relance um braço.
Um dos policiais o ampara e ajuda a sentar.
– Já sabemos de onde veio esse sangue.
Joel aperta a cabeça com as mãos. Não entende como algo assim aconteceu na sua cozinha sem ele ver. De repente, ouve a voz novamente:
– Conta pra eles, Joel. Conta que fomos nós. Conta como nos divertimos ontem à noite.

 

voltar para página do autor