Dança

Denise Accurso

Suzana sempre gostou de música, desde menina. Sequestrava o radinho de pilha da mãe e sintonizava nas estações mais musicais, tirando das de notícias. Até que ganhou seu próprio radinho de pilha e não desgrudava mais dele.
Por que será que está lembrando disso agora? Não sabe. Tem muita coisa que não sabe. Não sabe onde está. Não reconhece aquele quarto, nem a pintura da parede. Não reconhece as pessoas que entram e falam com ela. Muitas vezes, não reconhece sequer as palavras que dizem. Sente-se cansada, sem energia para perguntar, descobrir onde está, desde quando, por quê.
Olha para a mesa de cabeceira e mal pode acreditar: lá está seu velho radinho! Quem será que o encontrou? Faz muitos anos que desapareceu, tragado pela poeira dos fatos. E agora está ali. Como pode ser isso? Estende o braço, hesitante. Pega-o. Liga. Mal pode acreditar: está funcionando! O aposento desconhecido enche-se de música. Suzana tenta cantar junto, mas não lembra direito da letra. Resolve dançar.
Sai da cama sozinha. Faz anos que só levanta com a ajuda de alguém, mas hoje está lépida e ágil. Agora está tocando uma música que ela não reconhece, mas que lhe cala fundo. As batidas são idênticas às de seu coração. Começa a rodopiar pelo quarto, movimentando as mãos. Seus cabelos flutuam, dançando também. A música a penetra além dos ouvidos; fecha os olhos e se entrega completamente àquela experiência. Sente seu corpo flutuar, sem peso. Não há dor, só prazer, um prazer infantil, primitivo. Dança e dança loucamente, vê-se no espaço, iluminada pelas nebulosas, atraída pelo doce calor das estrelas. Seu corpo dança. Dança com uma leveza, uma musicalidade, um prazer totalmente desconhecidos. Sente que encontrou tudo: todas as explicações, todas as respostas, a cura para todos os males está naquela dança com o universo. Abre os braços, abraça as galáxias, as estrelas, o cosmo todo… Sente-se infinitamente pequena e ao mesmo tempo plena, parte desse todo tão maior. Não está só, nunca esteve só, nunca mais estará só, não enquanto dançar essa dança, essa música maravilhosa e desconhecida. Não quer parar. Não consegue parar. Não precisa parar.
– Dona Suzana! Está na hora do café da manhã.
A enfermeira abre as cortinas. Aproxima-se da cama e toca Suzana. Ela está completamente fria e agarra firmemente o controle remoto do ar condicionado.

 

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