Sem pressa...

Denise Accurso

Aquele café da manhã bem devagarinho é um luxo na minha vida. Não tenho compromisso, não preciso ir a lugar nenhum.
Por isso quis contar essa história agora, em época de quarentena. Nem sempre minha vida pode ser assim. Muito pelo contrário, desde minha infância havia horário a cumprir no café da manhã. Regras e horas marcadas que jamais levaram em conta minha vontade ou minha disposição. Fui criança numa época em que a opinião e os desejos infantis eram ignorados. Além disso, eu era extremamente tímida e nunca fui encorajada a reivindicar qualquer coisa. Então… depois veio o colégio, a adolescência, e os horários de aula, etc. As manhãs eram corridas sempre.
Com 19 anos, comecei a trabalhar e aí o café da manhã deixou de existir por um bom tempo, sendo substituido por alguns minutos a mais de sono. Trabalhava o dia todo e estudava à noite, cursinho pré-vestibular e depois a faculdade em si, uma época de muitas conquistas mas pouco tempo livre.
Somente voltei a tomar café da manhã em 1998, quando um endocrinologista me convenceu da importância dessa refeição. Disse que valia mais que meia hora de sono. Eu tentei, mas a coisa se resumia a uma caneca de café com leite que levava comigo pela casa enquanto eu me preparava para sair. E assim por muitos anos… mudou o conteúdo da caneca, mas o modus operandi não. Jamis sentava, jamais parava, consumia aquele conteúdo como uma obrigação médica.
Meu último dia de trabalho foi 16 de dezembro de 2016. E, a partir do dia seguinte, não havia mais nenhum horário a cumprir. A sensação de liberdade foi muito grande e ainda estou dela embriagada. Trabalhei por 34 anos, com muitos momentos felizes, mas também com grandes atribulações. Enfim, nada de diferente da grande maioria dos trabalhadores.
Então, dei início a uma espécie de ritual do qual tenho imensa dificuldade em abrir mão. Após levantar e dar bom-dia a algumas pessoas especiais, preparo minha água com limão. Sento no sofá com o copo e saboreio essa bebida que aprendi a adorar. Levo no mínimo 15 minutos, já levei mais de meia hora… Isso não importa.
Depois, preparo um mingau que inventei pra deixar de tomar remédio para o colesterol. A base dele é aveia laminada. Eu acho muito gostoso.
Pego a caneca de mingau e coloco na minha bandeja. Acomodo-me no sofá. E o consumo desse mingau também se arrasta, às vezes por uma hora.
Quase nunca marco nada para antes das dez. Assim, posso me levantar às oito e cumprir esse ritual que aprendi a valorizar. Considero-me um ser privilegiado por ter, finalmente, conquistado esse prazer. O prazer do tempo infinito. O prazer do tempo que não precisa ser medido.
Resolvi fazer esse relato pensando em todas as pessoas que sofrem por causa do isolamento social. Minha dica é: aproveite o tempo. Não é preciso encher-se de coisas, mas apenas desfrutar o direito de não ter pressa. Lembro que, recém aposentada, meu marido – acostumado a me ver fazendo tudo correndo e aos trambolhões – perguntou o que havia comigo que estava demorando tanto em uma coisa qualquer. Eu disse a ele que se acostumasse, pois nunca mais faria nada correndo.
Claro que isso não é possível sempre. Aprendi a parar de correr quando pude. Quem puder, eu recomendo!!

 

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