papo de amigas

Denise Accurso

– Claro que a maldade existe, óbvio que sim. Ou o Hitler era bonzinho, por acaso?
– Tu pegaste um exemplo extremo, sua louca. Não estou falando desses casos. Estou falando das coisas comuns, do dia-a-dia. Das pequenas maldades que algumas pessoas praticam e a vida segue como se nada fosse. Sabe, pessoas normais capazes de serem muito cruéis em certas situações. Aquele tipo de gente que causa sofrimento e não está nem aí. Muitas vezes estão convivendo com a gente, até na nossa família.
Gilda mexe a colher dentro da xícara, pensativa. Adorava aqueles cafés com a Ana, sua amiga de toda a vida, mas hoje a conversa estava pesada, estranha.
– Porque tu estás falando nisso?
– É que fiquei sabendo de umas coisas. Quero te contar porque não é alguém que tu conheça. É um casal, ela é filha de uma colega minha. Gente que tu não conhece. Postei uma foto com eles no Face e veio um colega antigo lá do meu primeiro trabalho, perguntar de onde eu conhecia a mulher. E me contou umas coisas… Nem dá pra acreditar, amiga. Estou sufocada, precisando falar pra alguém.
– Mas que papo mais misterioso. É tão pesado assim? Pode me contar. Tu sabes que eu sei ser discreta. Além disso, como tu mesma disse, é gente que eu não conheço.
– Eu sei, eu sei. Vou te contar tudo.
Pediram outro café.
– O cara me disse que teve um caso com ela, sem saber que ela era casada. Ela se dizia separada, cuidando sozinha dos filhos, por isso era pouco disponível. Falava muito mal do ex-marido, que não ajudava, não procurava os filhos. Ele se apaixonou, assim me disse, e com o passar dos meses foi querendo mais. Queria conhecer os filhos dela. Ela se opunha ferozmente.
– Que história esquisita. Como ele não viu que ela era casada?
– Sei lá. Ele jura que acreditava nela. Se viam duas ou três vezes por semana, mas nunca sábado e domingo. Ela também não passava a noite. Ele dizia pra ela pagar extra pra babá ficar a noite toda. Ela não queria, dizia que as crianças já tinham perdido o pai, não podia traumatizá-las daquele jeito. Enfim, isso é o que ele me contou.
– Até aqui, não vi nada de mais. Uma mulher fazendo isso é quase um ato de justiça. Os homens fizeram a mesma coisa por tantos anos…
– Tá, mas ouve. Um dia o sujeito dá de cara com a família completa no supermercado! Ela, marido, filhos. Ele até tentou cumprimentar, mas ela olhou através dele, sabe como é? Ele me contou que tudo parecia perfeito, nenhum clima de ex-marido, nada. Na fila do caixa ele estava com a mão no ombro dela.
– Bom, aí não tem mais o que disfarçar. E o que o cara fez?
– Na hora, nada. Mas de noite foi até o prédio em que sempre largava ela e descobriu que ela não morava ali.
– Nossa! A mulher é profissional!
– Mas ela deixou um furo. Ele sabia onde ela trabalhava. E no dia seguinte foi no trabalho dela. Era um prédio com portaria, segurança, sabe como é. Pediu pra falar com ela e ficou aguardando. Diz que depois de uma meia hora, apareceu a polícia.
– Quê?
– No dia do supermercado, ela fez um B.O. on line dizendo que ele era um perseguidor. E quando ele apareceu no serviço dela, chamou a polícia.
– Ai, meu Deus, coitado desse cara!
– Entendeu quando eu falei em maldade? Pra resolver o problema dela, ela simplesmente ferrou com ele sem dó nem piedade. Acabou com o cara. Ele está arrasado. Pediu pra eu falar com ela. Disse que tudo que ele quer é uma explicação, uma satisfação, sei lá. Só sei que o coitado está sofrendo muito e a bisca, nem bola.
– E tu conhece bem ela?
Ana parou e pensou um pouco. Piscou. Passou a mão no cabelo.
– Ana! Acorda! Eu te fiz uma pergunta.
– Conheço bem, sim, amiga. Conheço a família, conheço há muitos anos. O que tu acha que eu faço?
– Queres minha opinião sincera? Não faz nada. Te afasta dessa gente. Simplesmente desaparece, bloqueia, sei lá. Cai fora, amiga!
– Tem razão, amiga.
Terminam o café. Ana vai embora, chateada consigo mesma. A ideia de Gilda é totalmente impraticável. Não poderia se afastar de sua melhor amiga por conta do que a filha dela fez. Tinha que contar a ela.
Talvez no próximo café.

 

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