Peeling

Denise Accurso

Brenda está felicíssima. Está prestes a fazer seu 43º peeling. Insistiu muito com seu dermatologista. Como ele não cedeu, não teve dúvidas: trocou de profissional. Era seu dinheiro e seu rosto, somente ela poderia decidir se precisava ou devia realizar o procedimento. E sabia que precisava.
Naquela semana duas pessoas a haviam chamado de senhora. Uma delas não era nenhum subalterno, criança ou adolescente. Era uma mulher de mais de trinta anos que tivera o desplante de a tratar como pertencente à outra geração! Isso significava que estava demonstrando, em seu rosto, ser de outra geração. E tal coisa não podia admitir. Toda sua vida era dedicada a aparentar menos idade. Passava fome, só comia coisas sem graça, não bebia uma gota de álcool. Por mais de duas horas diárias malhava com seu personal, na academia. Consumia quantidades inacreditáveis de cosméticos destinados a manter sua pele, seus cabelos, seus olhos, seus lábios, suas unhas, suas mãos e seus pés sem sinais da passagem do tempo.
Apagara de suas redes sociais quaisquer referências familiares. Sabia, por experiência própria, que essas referências propiciavam a realização de cálculos que permitiam chegar, ainda que aproximadamente, àquele número horrendo que rejeitava: a quantidade de tempo transcorrido desde seu nascimento. Era um número falso, não tinha nada a ver com ela. Não podia aparecer ao lado dos filhos, irmãos, etc, pra que ninguém se pusesse a cogitar que fosse mais velha do que aparentava.
Sua idade cronológica nada tinha a ver com o que costumava ver no espelho. E esse era o resultado do esforço de uma vida. Sacrificara tudo: relacionamentos, conforto, bem-estar. Sentia dores todo o tempo, das cirurgias, da malhação pesada, da fome. Mas tudo era compensado ao ouvir assobios na rua, virar o rosto e ver um rapaz que poderia ser seu neto.
Tinha netos, é verdade. Esse era um de seus mais bem guardados segredos. Imagina se alguém da academia sonhasse! Nunca falava em filhos, família. Quando alguém perguntava, desviava o assunto. Essa era sua glória, sua conquista.
Não podia fazer mais cirurgias plásticas, por uma razão médica incompreensível. Se havia risco à sua vida, não era seu o direito de decidir? Estava disposta a assinar qualquer documento isentando de responsabilidade cirurgião e anestesista. Isso deveria bastar, mas não. Essa porta tinha sido fechada, ao que parece de forma definitiva.
Foi depois disso que começou a fazer peelings metodicamente. O resultado não era o mesmo de uma cirurgia, mas era bom também. Percebeu que, quanto mais procedimentos fazia, mais os resultados apareciam.
Por isso ficara muito revoltada quando seu dermato dissera que agora teria que esperar no mínimo 18 meses antes de fazer um novo peeling. Por que isso? Não era dona de seu corpo, de sua pele? Que risco poderia haver que ela não estivesse disposta a enfrentar?
Teve sorte de encontrar outro dermatologista naquela rua mesmo. Contara-lhe o tratamento a que tinha sido submetida e o novo profissional a consolara: claro que a decisão era dela. Examinou sua pele, achou que estava muito fina ainda, mas que seria possível fazer um procedimento um tanto mais suave. Continuou falando, mas ela não prestava muita atenção. Estava concentrada no fato de que poderia fazer o tão desejado peeling.
Chegou o dia marcado. Brenda faz o peeling. Dessa vez, ardeu bem mais que todas as outra, mas ela suportou, pensando que se estava ardendo mais, o resultado seria melhor.
No dia seguinte, acorda mais cedo que de costume. Sente um frescor inesperado no rosto, uma sensação quase geladinha. Aquilo é surpreendente. Quando acende o abajur, assusta-se: o travesseiro está cheio de sangue. Preocupada, vai até o espelho.
O que vê é simplesmente aterrador. Seu reflexo lembra uma ilustração de livros de anatomia. Sua pele desapareceu. O que vê são músculos, veias, artérias, carne vermelha e crua.
Sem idade. Finalmente sem qualquer idade.

 

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