Questão de perspectiva

Denise Accurso

Lídia estava namorando. Estava se encerrando aquele período de azaração na noite porto-alegrense. Já não era sem tempo, começava a se sentir cansada daquela vida. Era bom ter alguém.
Estava contando a história aos poucos, para pessoas selecionadas. O namoro era recente, preferia não alardear. Seus pais provavelmente seriam os últimos a ser informados. Eles a imaginavam sempre tão estudiosa, séria e compenetrada… Ela havia mudado muito depois que se mudara para Porto Alegre, mas isso era coisa que seus pais não precisavam saber.
Lídia e Daniel estavam naquela fase inicial em que era difícil ficarem longe um do outro, e qualquer brecha na agenda era logo aproveitada. Aquele era o terceiro sábado que passariam juntos. No domingo, Lídia iria visitar seus pais, que moravam numa pequena cidade a cerca de 60 quilômetros da capital. Já havia comprado a passagem.
Saíram pra jantar e ficaram no apartamento dela. Dormiram muito tarde, madrugada alta, e Lídia não ouviu o despertador. Acordou às dez da manhã, horário de saída do seu ônibus.
– E agora?
Ligou para a rodoviária. Não havia mais lugar em nenhum ônibus.
– Eu te levo – disse Daniel.
Lídia coçou a testa. Seus pais nem sabiam que ela estava namorando e já ia aparecer assim, acompanhada? Situação difícil.
– Eu só te largo lá e venho embora. Quem sabe hoje tu já aproveita e conta pra eles sobre nós.
Lídia concordou. Seus pais eram tão metódicos, desmarcar a visita seria um pequeno drama.
Daniel a largou no portão da casa dos pais por volta do meio-dia, despedindo-se rapidamente.
– Eu te pego na rodoviária quando voltares.
Lídia entrou. Seu pai, depois dos abraços e beijos, olhou o relógio de pulso.
– Vieste em que ônibus pra chegar nesse horário, minha filha?
– Eu não vim de ônibus, pai. Dormi demais e perdi a hora.
– Mas então como tu vieste?
– Lembra que eu comentei que estava saindo com um rapaz? O nome dele é Daniel. Nós estamos namorando. Ele que me trouxe.
O pai de Lídia a olhou, parecendo confuso.
– Mas… filha… que sorte tu achar esse rapaz em casa, livre, no domingo de manhã. Tu chamaste e ele prontamente veio te trazer?
– Pai… Ele é meu namorado. Não precisei chamar. Estávamos dormindo juntos.
– Como assim??? Que tipo de namoro é esse? Vocês ainda estão se conhecendo!
– Eu tenho 37 anos e sou divorciada. O que tu esperava?
A mãe deu uma risadinha.
– Não adianta, minha filha, pra teu pai tu sempre serás a filhinha dele.

 

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