Sonho

Denise Accurso



Estamos em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, em algum ano da década de 80. Cláudia está noiva e pretende casar em poucos meses. Ela e seu noivo Douglas se conhecem desde criança. Antes do romance, houve muita amizade entre ambos. A cidade é pequena, os jovens interagem muito, vão a festas, bailes, enfim, a amizade evoluiu, transformou-se em algo maior, amor, projeto de vida, planos de futuro.
Cláudia não é voluntariosa e passa longe de ser garota mimada. Mas tem sonhos, como todos nós. Tem, mais especificamente, um sonho, um único, grande, acalentado sonho: quer casar virgem, de branco, com uma bela festa.
Ainda que vivam em uma cidade pequena, já não são tempos tão conservadores, e a maioria das moças que sobe ao altar não se preocupa em preservar a virgindade. Mas Cláudia, em geral tão cordata, tão sem-vontades, doce e adaptável, aferra-se a esse sonho. São poucos os seus desejos, quase inexistentes seus caprichos, mas dessa vez não pretende transigir.
É um sufoco para os jovens apaixonados e Douglas não deixa de tentar fazer Cláudia desistir de um, apenas um item desse sonho. Abraços e beijos tórridos, tomados de desejo, muitas vezes Cláudia esteve perto de ceder,mas resiste. Douglas, enlouquecido, mal pode esperar pelo casamento.
Ambos trabalham e canalizam recursos para adquirir um terreno e construir seu lar. Manda a tradição que a festa seja ônus do pai da noiva. O problema surge quando a data se avizinha e o pai de Cláudia revela: não há como custear a festa. É uma família de muitos filhos, Cláudia é a mais velha, o salário do pai dá pra sustentar a família e nada mais. Triste em negar à filha a esperada festa de casamento, ele revela não ter como pagar por isso.
Cláudia não confronta o pai, não exige nem reivindica nada. Sai de casa à procura de Douglas. Precisa encontrá-lo. Ele deve ter saído do trabalho e está indo pra casa. Ela sabe o trajeto.
Douglas a vê de longe, vindo a seu encontro, e percebe que algo está errado.
– O que foi?
Param pra conversar. Estão sobre uma ponte. Debruçam-se na mureta, ouvindo o som da água que corre abaixo deles.
Cláudia conta tudo a Douglas, seu sonho, seu castelo encantado ruindo… Em meio à tristeza, diz:
– Olha, já que não vai ter festa, não precisamos esperar. Se quiseres, pode pegar agora mesmo… Não preciso mais conservar minha virgindade.
Foram tantas as tentativas de convencê-la a desistir da espera! Mas Douglas não teve a reação que Cláudia esperava.
– Não é assim que eu quero! E o teu sonho? Quem sabe ainda conseguimos, Cláudia.
Cláudia recusa-se a acreditar. Agora que estava liberando tudo, o Douglas ia se fazer de difícil?
– Ai,Douglas… Vamos de uma vez! Aproveita que já está quase escuro.
Colou-se a ele, enlaçando-o com uma das pernas.
– Podemos ir pra nossa futura casa, se não quiseres aqui mesmo. Chega de esperar.
Enlaça-o com a outra perna, está colada nele, abraçada com braços e pernas. Douglas apoia-se na mureta, está tonto, tenta argumentar:
– Mas assim… Não é exatamente o que eu queria…
Cláudia o beija, abre sua camisa, acaricia seu peito. Douglas tenta, mas não consegue se desvencilhar. Está imprensado entre Cláudia e a mureta, que estala. Ele tenta ficar de pé. A moça enfia os pés nos vãos da mureta, prendendo-o.
Estão nessa espécie de batalha quando, com um estalo ainda mais alto, a mureta se rompe e o casal despenca.
O saldo final são costelas trincadas, algumas luxações, um tornozelo deslocado, o casamento adiado… E uma virgindade preservada.



 

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