Rejeição em tempo de Covid-19

Denise Accurso

Ela estava imobilizada, com o celular na mão. Olhava para o aparelho, como se dali pudesse sair alguma explicação.
Sentia muita tristeza e perplexidade. Não podia acreditar. Não queria acreditar. Mais uma vez, uma definitiva vez, fora rejeitada. Afastada como portadora de peste. Logo num momento como esse!
Fazia apenas quinze dias e ele perguntara se ela o amava. Ela relutara em dizer, estava cansada de ser atraída e depois afastada sem nenhuma razão aparente. Desconfiava dos motivos, mas ainda agora lhe custava acreditar.
Ele estava no hospital. Seu exame para Covid-19 dera negativo, mas estava com pneumonia dupla, em estado gravíssimo. Sua condição de asmático fez com que o quadro piorasse rapidamente. Na última vez que falaram por celular, tiveram que interromper a conversa, pois ele tossia muito, não conseguia falar. No dia seguinte, ele desapareceu. Ela preocupou-se, vivia preocupada com a saúde dele, ele tinha um estilo de vida meio kamikaze, não se cuidava, não se alimentava bem, se automedicava…
O desaparecimento tinha sido causado por sua internação hospitalar, com insuficiência respiratória e suspeita de Coronavírus. Isso ela soube depois de vinte e quatro horas de angústia.
Há apenas treze dias – treze dias! – ele, de dentro do hospital, dissera que a adorava. Que tudo seria diferente. Ele seria mais sincero. Ela enlouquecera ou isso fora uma espécie de promessa?
Tudo mudou, contudo, do dia para a noite. O discurso tornou-se seco, mais seco que com uma amiga. Poucas palavras, muitas reclamações de que precisava descansar. Ela não dormia. Via-o no celular à uma da manhã. Depois às 3 da manhã.
Quando ela falava com ele, ele respondia com a frieza de um secretário. Acabaram os “te adoro”, “espera eu sair daqui”, “tudo vai melhorar”. Ela se apegava às misérias de afeto, ao beijo no final de cada conversa.
Quis visitá-lo. Não tinha coragem de pedir, temia uma negativa. Aproximou-se da família, ávida por notícias. A ex-mulher acolheu-a como a uma velha amiga, sabia de sua existência, era uma separação bem resolvida para ela. Sentiu-se, pela primeira vez em anos, aceita, integrada. Fazia parte da vida dele, coisa que sempre almejara. Foi a ex quem perguntou se ela não gostaria de visitá-lo. “Claro que sim! Só não tenho coragem de pedir. Não suportaria ouvir um não”. A ex-mulher, que o visitava quase diariamente, perguntou, ele assentiu. Isso na segunda-feira. Combinou-se uma visita na quinta, o fim de semana seria reservado aos filhos. Essas “visitas” não passavam de meia hora, a Covid-19 alterara todas as rotinas hospitalares.
Quando a ex-mulher acenou com o consentimento, ela vibrou. Estava cumprindo a quarentena rigorosamente, não havia nenhum risco de contaminar alguém. Não temia o próprio contágio. Apenas queria vê-lo, tinha em si essa urgência, fazia tempo demais que não se viam, e alguma coisa dizia que não havia muito tempo.
Quando lhe falaram da data, porém, ele mostrou-se contrário à ideia. Ela logo compreendeu: era a interferência da ex-mulher. Seu desejo de voltar para o antigo casamento a havia mais uma vez condenado a essa dor de rejeição.
A ex-mulher lhe disse que achava que não, que não era isso. “Fala com ele, liga, combina com ele”. Ela temeu, ele a estava tratando tão mal naqueles últimos dias! Ainda assim, ligou.
Porque, sabendo o tamanho da escuridão que se avizinhava, ela não recuou? Todos os sinais estavam ali. Isso não era novo, já havia acontecido, esse puxa-empurra, esse jogo de aproxima-afasta, conforme ele achava que havia ou não chances de voltar para casa – para a casa da ex-mulher, na verdade. Seria o temor de que essa fosse a última oportunidade? Uma espécie de masoquismo? Ou, ao contrário, um injustificado otimismo, um desejo de acreditar na proclamada adoração, na dita honestidade? Ela mesma não sabia. Sabia que sentia em suas entranhas essa necessidade que controlava sua vida: queria vê-lo.
Ligou. Ele foi muito educado, educadíssimo. Disse que não queria que ela se expusesse ao contágio da Covid-19 comparecendo ao hospital. Que estava fazendo a mesma recomendação a todos. Ela ouviu. Não argumentou que ele não parecia se preocupar com a exposição dos próprios filhos ao vírus. Não conseguiu reivindicar nada. Teve apenas aquela certeza… Nunca mais o veria.
Olhava para o celular, esperando a ligação dele, rindo, dizendo que tudo não passava de uma brincadeira, estava com saudade, a queria perto dele, ainda que por apenas meia hora.
Passou-se algum tempo, talvez horas, ela não tem certeza, até que o celular realmente tocou. Atendeu. O que ouviu confirmou o que já sabia.
Nunca mais o veria.

 

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