Trajeto de táxi

Denise Accurso


Estávamos encerrando um agradável período em Joinville, em que conhecemos as atrações turísticas da cidade e fizemos algumas compras. Já era hora de voltar pra casa.
Chamamos um táxi para nos levar do hotel ao aeroporto. O motorista, um sujeito simpático, descendente de orientais, nos ajuda a guardar as bagagens e nos informa que estamos a cerca de vinte minutos de nosso destino.
Sento no banco de trás e meu marido acomoda-se ao lado do motorista, logo iniciando uma conversa. Pergunta sobre a cidade, a economia local, etc. Presto apenas atenção parcial, pois é sempre assim, ele tem esse gosto por conversa fiada de que não compartilho, preferindo despedir-me da paisagem.
De repente, uma frase do motorista desperta minha atenção:
– Eu leio muito, sabe? Estudo bastante. Principalmente filosofia.
Sou uma leitora voraz e sempre gosto de encontrar pessoas com quem dividir impressões sobre livros.
– É mesmo? Pergunto.
– Sim. Leio muito. Vocês estão vendo o mundo como está? Todas as guerras, essa desigualdade social, essa quantidade de crimes, todo esse horror. Isso tudo vai acabar em apenas três anos.
– Como assim?
– Vai vir um cara, Lucifer, e vai ser o presidente do mundo. Não vai mais ter países, nada disso, ele vai mandar em tudo! E vai acabar com crimes, drogas, prostituição. Tudo isso vai acabar.
Reprimo o riso. Lucifer, assim, com a sílaba tônica no “fer”, parece meio cômico. Pelo espelho, o motorista me olha com cara de contrariado. E continua:
– Todos os seres humanos terão um chip para serem monitorados. Ninguém vai poder fugir ou se esconder. Quem fizer algo errado ou não se enquadrar, será eliminado.
Olho à minha volta. Estamos cercados de mato. Nem sinal da paisagem urbana. Na estrada em que estamos, não há outros carros. Troco outro olhar com o motorista pelo retrovisor e acho assustador o brilho fanático que vejo ali.
– Olha só, quantos habitantes tem em Joinville?
– Duzentos mil. Continuando a explicação, Lucifer já está aqui entre nós, estudando, se preparando. Falta no máximo três anos pra ele implementar seu governo. E a senhora não vai acreditar na paz que vai existir! Afinal de contas, esse outro, esse tal de Jesus Cristo, já está aí há mais de dois mil anos e o que ele fez? Nada! Tudo continua a mesma porcaria. Lucifer vai arrumar tudo rapidinho.
O entusiasmo fanático crescia. Minha tentativa de mudar de assunto foi infrutífera. Pensei em pedir para parar o táxi e nos deixar ali mesmo, mas não havia nada, apenas mato. O que seria mais perigoso?
A cada reduzida de velocidade, imaginava o táxi parando e nosso motorista introduzindo nossos chips, preparando-nos para essa nova era.
– Os primeiros a serem eliminados serão os pedófilos. Os corruptos vem logo em seguida. Não vai mais ter presídio, facção, drogas, nada disso. Se alguém adoecer, pelo chip se sabe e já se manda o remédio.
Depois desses longuíssimos vinte minutos, mal pude acreditar quando vi o aeroporto! Descemos correndo, pegamos as malas, pagamos e não quisemos esperar o troco.
– Da próxima vez, vê se te limita a dar bom dia ou boa tarde, por favor!



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