Pequena história de um amor urbano

Denise Accurso

Eu já estava solteira há mais de quatro anos. Dois casamentos desfeitos… muito sofrimento. Fora traída de todas as formas que um ser humano pode ser traído.
Agora era feliz. Não pretendia casar nem namorar sério. Costumava ir a uma boate famosa na cidade por ser cenário de caçação. Frequentada por pessoas de mais de trinta anos procurando companhia e diversão. Ia praticamente toda sexta e sábado, além das vésperas de feriado. Os garços me cumprimentavam, os outros clientes habituais também. Era um lugar em que eu ia sozinha sem problemas.
Mas eu tinha uma amiga, que não morava em Porto Alegre, como eu, mas numa cidade próxima, Guaíba, e ia quase sempre comigo. Ela era irmã do primeiro cara que conheci nessa boate. A melhor coisa que ele me deixou foi essa irmã.
Estava eu lá, numa noite de sábado, com minha amiga, quando ela me chama a atenção para três recém-chegados, duas moças e um rapaz.
– Conheço aquela mulher mais alta, é a Fulana, de Guaíba. E o cara que está com elas é uma gracinha!
A amiga veio e foram feitas as apresentações. Notei que o “gracinha’ me olhava, mas minha amiga já tinha colocado o carimbo de preferência, não tinha como eu furar isso.
Mas ele era insistente e não deixava dúvida: tinha me escolhido. Era mesmo uma gracinha. Aquela noite dançamos muito, todos juntos. Perguntei à amiga o que ela ia fazer quanto ao rapaz:
– Ele chegou aqui com duas, não dá pra saber quem tá comendo quem. Tô fora.
Era assim que falávamos, com muita objetividade.
Lá pelas quatro da manhã, perguntei ao moço bonito se ele tinha filhos. Ele puxou a carteira e mostrou a foto de uma morena linda de olhos verdes.
– Minha filha.
Começou a contar o quanto era bonita, inteligente, maravilhosa… Tenho que admitir que um bom pai sempre me deixou de joelhos moles. Mas, enfim, eu não queria um namorado. Fui embora com outro.
Naquela semana, veio me procurar uma colega de trabalho que também é moradora de Guaíba, com um número de telefone pra mim:
– Sou amiga do Moço Bonito, ele disse que se tu quiser sair com ele, tens que ligar.
Que fazer? Tive uma ideia. Liguei.
– Olha, a gente vai sair, um grupo de amigos, vamos num bar ali da Cidade Baixa, depois em algum lugar pra dançar, aparece se quiser. Leva teus amigos.
Convidei minhas amigas e ainda fiz propaganda do Moço Bonito pra minha colega de gabinete, a Lênia.
– Ele é o teu tipo, acho que vai rolar entre vocês. Não deixa de vir.
Éramos dez mulheres naquela mesa quando o Moço chegou com dois amigos. A Lênia adorou. Sentou do lado dele, puxou papo, etc. Tudo como eu tinha planejado.
Então, por que isso me incomodou?
Fomos dançar. Ela, se chegando. Não aguentei. Ocupei meu espaço e trocamos um beijo. Um longo, longo beijo. Ficamos, acho que é assim que se diz?
Fim de noite, cada um pra sua casa.
A semana passou. Sexta ele me ligou, convidando pra sairmos nós dois. Eu concordei. Depois fiquei pensando… eu não queria compromisso. Estava cheia de sofrer por homem. Se eu saísse com ele dois finais de semana seguidos, o que isso significaria?
Liguei pra ele e disse que eu tinha um aniversário, sentia muito, etc. Ele não insistiu.
Fui com aquela moça de Guaíba, a do irmão, para a mesma boate do sábado anterior. Lá pela uma da manhã, ele chega com um rapaz. Minha amiga diz:
– Não podemos fingir que não vimos, temos que ir lá, cumprimentar.
Eu tentei. Ele estava todo fechado. Começou um longo discurso sobre cada um ser livre pra fazer suas escolhas. No meio do discurso, eu disse:
– Que pena. Logo hoje eu ia te convidar pra tomar café da manhã comigo…
Ele mudou na hora. Ficamos. Fomos pra minha casa, era sexta. Ele foi embora domingo à noite. Eu não fiz café. Depois descobri que ele não toma café.
Faz quase vinte anos… Ele ainda não foi embora.

 

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