Dicas de Leitura - por Terezinha Lanzini

Jacira Fagundes

Dicas de Leitura - por Terezinha Lanzini

A última folha

Dicas de leitura - por Terezinha Lanzini
Título da Obra - O Quarto Amarelo
Texto: A ultima folha - pág.50
Autora - Vera Ione Molina
Gênero - Conto

A história acontece na primeira metade do século XX e é narrada na voz de Inácio ao retornar com a esposa Áurea e seus dois filhos à Estância Santa Marta, em Uruguaiana.
Inácio caminha ao redor da casa. Vê campos rosados de flores, arrulho de pombas, relinchos, apertos de mãos com a peonada, escuta a cozinheira relatando o que teriam para o jantar.
Entra na casa, escuta o som do gerador de luz e vê as primeiras lâmpadas serem acesas.
Após o jantar, decide ficar no gabinete. Ao perceber o gerador ser desligado e todos recolhidos aos quartos, Inácio acende um lampião. Através da chama alta, olha as fotografias sobre a lareira, recordando cada lugar da casa e seu encantamento de menino filho de um empregado do estancieiro. Procura no baú a coleção de revistas La Chacra. Começa pelos anos 30. Abre um exemplar de 1939 quando se preparava para o casamento em janeiro. Ao folhear a revista, encontra duas folhas rabiscadas. Aproxima-as do lampião. São páginas de um diário.
Áurea escreveu essas folhas no período da separação que antecedeu nosso casamento? Lembra-se do boato sobre o oficial alemão, foragido na Estância. Com a mão trêmula apodera-se da folha.
O desespero da revelação. A destruição de um sonho.

P.S: O amante alemão é recorrente nos contos e novelas de Vera Ione Molina, fruto de história verídica, acontecida na estância de seu avô em Uruguaiana. Conta a autora numa entrevista. A primeira vez que ele aparece é no conto "Ninguém vai saber” em 1990, na Coletânea de Contos de Oficina – resultado do quinto grupo de criação literária do Mestre Luiz Antonio de Assis Brasil, na PUC.




Pra Amanhecer Ontem


Dica de Leitura – Por Terezinha Lanzini
Obra – Pra Amanhecer Ontem – 336 pág.
Autora - Ana Mariano
Gênero – Romance

A história destaca a casa tradicional da família Sampaio de Alcântara em uma pequena cidade no interior do Rio Grande do Sul, tendo como panorama a ditadura militar brasileira.
A obra nos leva a lugares onde se misturam lembranças de infância e os desafios do mundo adulto se entrelaçam à intrincada tapeçaria das relações familiares.
Uma casa onde cresceram as quatro irmãs: Olga, Clotilde, Maria Eulália e Ana Rita e um laço familiar que se estende além do tempo. A partir delas, a autora relata sobre a repressão em diferentes esferas. Este é o ponto de partida de Pra Amanhecer Ontem.
Quem conta a história é Elisa. Sua mãe, Olga e seu desejo de sobreviver a um casamento fracassado.
Quando mal se resignava a uma vida de dona de casa e mãe, aparece Carlos, um homem de meia idade, também casado, que se transforma em amante. Passará a compartilhar com ele a fantasia de uma outra vida. Clotilde, controladora e sensual, tem fantasias eróticas. Solitária, até o encontro com o Pe. Antônio. Maria Eulália, sensível a tudo que acontece ao seu redor, capaz de ler o destino nas mãos das pessoas, mas incapaz de controlar o seu. E Ana Rita, a irmã de criação que nunca se sentiu parte da família. Certa vez, tomou coragem para expor ao patriarca a necessidade de saber sobre sua origem, mas a resposta foi uma humilhação implacável e lhe causou um profundo ressentimento. Mais tarde, torna-se amante do marido de uma de suas irmãs.
A infância feliz, as brincadeiras na escada de mármore e o sentimento de proteção, garantido pelos cuidados de Máxima e Adelina.
Há, ainda, a beleza das imagens literárias na prosa da autora: “E foi assim, sobre os resíduos corriqueiros do pão e da manteiga, que, pela primeira vez, mamãe e eu conversamos realmente.”

Me embrenhei na rica teia de linhas e entrelinhas deste romance. E, sinto que há muito a ser lido, discernido e interpretado nesta história.
Palavras da própria autora, retiradas desta bela narrativa!
“Pra Amanhecer Ontem, acordei com o alarido vibrante das caturritas. Embora não estivesse totalmente escuro, uma lua redonda e branca atravessava o céu. Sentei-me na escada que levava ao poço para tentar escrever esta história, encontrar as palavras certas para descrever a casa com suas seis janelas muito altas, a escada das glicínias, o poço e o jardim.
E a história começaria assim: numa cidade encantada, cercada de morros e vento, moravam as quatro irmãs.
Sentadas junto à mesa de pedra, numa tarde em que as glicínias começavam a florescer sobre a escada de mármore, Maria Eulália, fazendo tilintar as muitas pulseiras, sussurrou para Clotilde, Olga e Ana Rita: nenhuma de nós teve medo, nenhuma foi por demais sensata ou por demais louca. Cada uma viveu a seu modo. Nós vivemos por inteiro, “Pra Amanhecer Ontem.”
Elisa é a única descendente das quatro irmãs. São de Elisa as anotações para um romance que está sendo escrito enquanto a vida acontece
Cabe à Elisa, uma menina dilacerada, o desfecho desta história.
Ana Mariano, em uma prosa rica, impressiona pela beleza das imagens que cria e também pelas palavras precisas que tecem essa trama envolvente.

 

voltar para página do autor