Avareza

Denise Accurso

As amigas costumavam viajar juntas. Todas solteiras ou separadas, profissionais bem-sucedidas, curtiam a vida e a companhia umas das outras.
Acontece, às vezes, num grupo assim, formado exclusivamente por mulheres sozinhas, uma excessiva preocupação com as finanças. Na hora de pagar as contas nos restaurantes, todas puxavam seus celulares para calcular o valor exato do que consumiram, ainda que todo esse trabalho, muitas vezes, implicasse uma diferença de centavos. Mas era assim que as coisas funcionavam.
Não foi diferente naquela viagem em que três colegas, servidoras públicas bem remuneradas, fizeram a Buenos Aires. Tudo era milimetricamente contabilizado. Mas uma delas, que, digamos, chamaremos de Maria, parecia querer ir além e ser favorecida nas divisões. Isso provocava irritação nas outras duas, que faziam questão das contas exatas.
Mais de uma vez Maria, alegando não ter trocados, pagava menos do que devia. Ou, utilizando o limite do cartão de crédito de outra colega, fazia um câmbio que lhe era extremamente favorável na hora de pagar.
Mas a amizade rachou e o trio se desfez depois do episódio em Buenos Aires que agora relatarei.
No ultimo dia antes do retorno, as amigas dedicaram-se às compras. Maria comprou uma linda bolsa de couro, retangular e achatada junto ao corpo, preta, com um trabalhado semelhante a uma renda. A bolsa era mesmo linda.
Quando voltaram ao trabalho, a bolsa causou furor. Todos elogiaram, e Maria estava muito satisfeita com a compra; o preço tinha sido uma fração do que custaria uma semelhante aqui em Porto Alegre.
Logo Maria se viu presa do arrependimento de ter comprado somente a bolsa preta. Havia lá uma marrom, igualmente linda, igualmente barata. Falava naquilo nos almoços com as amigas.
Uma delas iria voltar a Buenos Aires numa viagem com a família e logo lembrou da Maria. “Se você quiser, eu compro a bolsa. Pago com cartão de crédito e você me reembolsa no vencimento da fatura”. Maria concordou, agradecendo muito.
Lá se foi a colega, que se chamava, digamos, Joana. Viajou com sua família, uma viagem de poucos dias. Reservou uma tarde para ir até o shopping center em que Maria havia comprado a bolsa. Quando lá chegou, só havia a bolsa na cor preta. Joana contou toda a história, a vendedora deu alguns telefonemas e indicou um endereço – bastante afastado de onde elas estavam – em que Joana poderia comprar a bolsa encomendada.
Joana foi. Comprou a bolsa com seu cartão de crédito, como tinha prometido. Cuidadosa, não a colocou em sua mala, levou-a consigo, no avião, em seu colo, zelando para que o couro não se quebrasse nem se riscasse. Fez a entrega.
Maria agradeceu muito, principalmente depois que Joana contou quanto tinha sido necessário para a aquisição. “Quanto te devo?” Em período de câmbio incerto e flutuante, Joana insistiu: “espera chegar a fatura do meu cartão. Só aí te direi o valor”.
Chegou o dia da fatura. Joana passou um wats para Maria, informando que o valor lançado fora de duzentos e noventa e sete reais. Incluiu cópia da fatura para não restar dúvidas.
Passados poucos minutos, chegou Maria. Entregou à Joana três notas de cem. Joana revirou a própria bolsa e informou:
– Olha só, estou sem trocado aqui.
Ao que Maria respondeu:
– Não precisa me dar agora, podes me depositar mais tarde, sem problemas!

 

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