Mãe

Denise Accurso

Sabrina estava tentando. Só que o vazio era terrível, escuro demais, frio demais. Alisava sua barriga, agora murcha como um balão que perdeu o gás. Olhava à sua volta. Todas as prateleiras estavam tomadas de roupinhas para recém-nascidos. Também havia brinquedos, fraldas, tudo o que ganhara no chá realizado há apenas 16 dias.

Era simplesmente surreal. Não podia ser verdade. Onde estavam seus bebezinhos? Nutridos com seu próprio corpo, lembrava a fome constante, a sensação de permanente fraqueza, a dor nas costas, os pés inchados… Todo o calvário vivido alegremente, já que lá no final desse arco-íris de desconforto estava o pote de ouro sempre almejado, seus filhos, o início da tão sonhada família.

Não podia ser verdade. Não devia ser verdade. Sabrina sempre fez tudo certo, sempre tentou não prejudicar ninguém, ajudar quem precisava, tratar bem todas as pessoas. Seu trabalho como pedagoga lhe dera muitas oportunidades de fazer a coisa certa, de fazer a diferença. Havia uma justiça em tudo, foi assim que aprendera desde sempre. Se você fizer as coisas certas, será recompensada. Se cometer erros, será castigada.

Fazia treze dias que pensava desesperadamente em que mal tão grande havia causado para merecer castigo tão severo, tão cruel. Não achou nada. Não gostava de gatos, mas jamais os maltratara. Tinha medo de moradores de rua, procurava desviar deles, mas era só. Mal, mesmo, não fez a ninguém. Algumas fofocas sem consequência no ambiente de trabalho teriam suficiente gravidade para que a justiça divina levasse seus gêmeos, já tão perto de nascerem?

Estava errado. Ela tinha certeza de que, em algum lugar, alguém errou alguma coisa e lhe mandou um castigo imerecido.

Enxugou as lágrimas com as costas da mão, impaciente. Voltou a olhar em volta e pensar nos seus bebês, sua própria carne, parte dela até poucos dias atrás. Agora tinham ido embora e não voltariam. Só restava a ela segui-los. Não queria ficar sem eles. Uma boa mãe não deixa os filhos sozinhos.

Abriu a mão fechada, cheia de comprimidos. Enfiou-os na boca. O volume sufocou-a, cuspiu alguns. Engoliu primeiro os que ainda ficaram, depois os que havia cuspido. Precisou ir até a cozinha tomar água, pois não estavam descendo. Voltou ao quarto dos filhos.

Seguiu-os.

 

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