Duas histórias reais

Denise Accurso

Cristiane 1




É seu baile de debutante. Os cabelos loiros foram penteados pelo melhor cabeleireiro da pequena cidade em que vive Cristiane. A maquiagem ressalta sua beleza de boneca. O vestido branco torna tudo parecido com um conto de fadas.
O único porém é que Cristiane sabe que não poderá dançar com Ricardo. Sua família está toda ali. O pai, inspetor de polícia, está mais vigilante que nunca. Ricardo não é visto como um pretendente admissível. Ao descobrir o envolvimento dos dois, o pai fez com que Cristiane fosse uma das pessoas mais vigiadas da cidade.
Ricardo, contudo, tinha um plano para dançar com a moça. Pediu para um amigo, o mais bem-quisto pela família, tirá-la para dançar. Em seguida, outros amigos formaram uma espécie de parede, de pé entre a mesa de Cristiane e a pista de dança. O amigo entrega a debutante a Ricardo, e eles dançam.
O fato não passou despercebido da família da moça, que passa a noite ouvindo indiretas: “então a gente arruma toda bonitinha, pra depois dança com qualquer um”, e coisas assim.
Tem sido difícil. Os encontros são pelas manhãs, antes do início das aulas de Cristiane. De vez em quando contam com a ajuda de uma amiga comum, mas tudo precisa ser em segredo.
Os jovens estão apaixonados, querem ficar juntos. Tem aquela força de quem está descobrindo as belezas da vida.
Mas… O namoro não resiste a tanta vigilância, tanta oposição.
…………
Cristiane agora tem seus filhos bem criados e um casamento dissolvido. Ainda vive na mesma pequena cidade em que debutou e participa ativamente de sua vida cultural. É uma mulher moderna, conectada. Abre seu Facebook e, que surpresa! Um convite de amizade de Ricardo, de quem não tinha notícias ha muitos anos.
Ricardo foi embora não somente da cidade, mas do estado. Também tem filhos, também é divorciado. Seus olhos não são mais os mesmos do tempo em que rodopiaram no salão de baile. Lê, escrito todo em maiúsculas, a resposta a seu pedido de amizade: “NÃO ACEITO!” sente-se ultrajado. Não bastava rejeitar simplesmente? Dessa vez, quem está debutando é Ricardo, que até então nunca tinha usado redes sociais. Põe os óculos, lê melhor o que Cristiane escreveu: “NÃO ACREDITO!”. Seu pedido de amizade foi aceito.
Logo se descobrem divorciados e vem a ideia de um reencontro, para rirem um pouco das coisas do passado. Ricardo ainda tem família na cidade e avisa Cristiane da sua próxima visita.
Dessa vez, tudo acontece rapidamente e sem oposição.


Cristiane 2



Cristiane já estava com a passagem de retorno comprada. Sua permanência em Timbó não fazia mais sentido, agora que tinha sido despedida. Melhor voltar pra casa, ficar perto do filho e tentar arrumar emprego lá no Paraná mesmo. Seu ônibus sairia segunda-feira de manhã.
Decidiu aproveitar bem seu ultimo final de semana na cidade. Produziu-se toda e foi dançar com as amigas. A noite prometia, a danceteria estava cheia de gente. Seu olhar é sugado pelo rapaz alto que entra, com sorriso largo e simpático. Ele também a nota.
Logo ele se aproximou do grupo da Cris. Uma das amigas o conhecia: “ele é caminhoneiro e um cara muito legal”. A atração entre os dois era evidente. Dançaram, beberam, trocaram beijos, até que ele sugeriu:
– Eu moro com meus pais, perto daqui. É um lugar bonito, tem cachoeiras, muito verde… Podíamos ir para lá aproveitar o domingo. Eu te deixo segunda-feira na rodoviária.
O plano agradou Cristiane, pareceu-lhe um belo encerramento para sua temporada em Santa Catarina. Passaram na sua casa, ele em seu caminhão, e se foram.
Começaram a subir um morro completamente deserto. O motor do caminhão trabalhava ruidosamente. Cristiane olhava em volta e só via mato e escuridão. Os minutos passavam e nada, nenhuma casa, não chegavam nunca. Ela começou a rezar para sair viva dessa aventura. Suplicava a Deus que lhe permitisse rever seu filho, que a poupasse. Pensou várias vezes em se jogar do caminhão, mas olhava para seu acompanhante e tinha certeza de que seria facilmente alcançada e subjugada. Além disso, o tombo poderia machucá-la e impedi-la de correr. Achou melhor ficar onde estava e preparou-se para o pior.
Finalmente chegaram. Era noite. Os pais vieram receber o filho e os três conversaram em alemão. Embora Cristiane não entendesse uma única palavra, era evidente o desagrado da mãe do rapaz. Sua expressão, o tom de suas palavras o revelavam.
Foram acomodados cada um em um quarto e a mãe postou-se na sala. O filho disse alguma coisa à qual ela respondeu alto e rispidamente naquela língua incompreensível, com gestos apontando para as portas dos quartos e depois para seus olhos.
Não foi difícil dormir depois de tanta tensão. Cristiane desabou na cama e só acordou com batidas na porta e palavras em alemão. Recebeu da mãe do rapaz uma toalha, entregue com a cara fechada, e um gesto indicando o banheiro.
Depois do café o moço a levou para conhecer as cachoeiras e puderam ter alguma privacidade. Ele a tranquilizou acerca da reação da mãe, dizendo que era assim mesmo.
Na segunda-feira, Cristiane não foi para a rodoviária. Nem terça. Nem quarta. Nem nunca. Ela e a sogra são hoje as melhores amigas.

 

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