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Denise Accurso

– Não sei por que você não quis voltar antes. Não, tinha que ficar até o fim, não podia fazer uma concessãozinha pra mim, já tão cansada! Eu ali, pedindo, implorando pra gente ir embora e tu “só mais uma música, Alzira. Só mais uma cerveja, Alzira”.
– …
– Eu sei, eu sei, sei o que tu vai dizer, sei o que tu tá pensando. Que tu trabalha a semana toda e tem direito de aproveitar. Que tu adora a galera. Que tu adora a roda de violão, as piadas, a risaiada. Eu também gosto disso tudo. Mas já era uma da manhã. Eu levanto cedo, Alberto! Levanto seis e meia. Tu fica na cama até depois das oito. É muito egoismo teu!
– …
– Nem vem. Não adianta nada dizer que no dia seguinte eu não ia trabalhar. Que interessa isso na hora do cansaço? A dor nas pernas, a dor de cabeça, já nem conseguia responder direito para as pessoas, só faltava eu cabecear de sono. E te pedindo pra gente ir pra casa!
– …
– Pois é… Esse é tu. Eu já sabia quando me casei. Nunca tu conseguia te colocar no lugar dos outros, principalmente se esse outro era eu. Eu sei que tu me amou, que tu me ama. Mas tu ama mais ainda essa corriola, esse ajuntamento de gente enchendo a cara. Eu nunca fui o bastante pra ti, Alberto. Nunca!
– …
– Nem vem, já te disse. Tu não vai emplacar essa. Estava chovendo, estava frio. Tinha cabimento ficar fora das cobertas até tão tarde? Custava sair a hora que eu pedi? Uma vez na vida, custava fazer a minha vontade? Não, nunca nada pode ser como eu quero, é a vontade de Sua Majestade que sempre tem que prevalecer.
– …
– Irritada é pouco, Alberto. Eu estou é furiosa! Se tu tivesse me ouvido apenas dessa vez… apenas uma vez e eu não estaria aqui, agora, nesse estado. É tudo culpa tua, Alberto. Essa merda toda é culpa exclusivamente tua!
– …
– E daí? Só porque eu já te conheci assim, tu não pode ceder nunca? Eu também te conheci magro e com cabelo, e hoje tu tá bem diferente, né? Quando a gente casa, passa a viver um outro tipo de vida. Não pode fazer só o que gosta, tem que pensar um pouco no outro também. Mas na tua opinião, eu é que tinha que fazer tua vontade sempre. Isso acabou, Alberto! Culpa tua! Tu é o culpado!
– Mãe… mãe… Vamos indo. Tenho que ir embora.
– Essa conversa não acabou, Alberto! Tu não vai te safar tão cedo!
As duas saem do cemitério.

 

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