Paixão, carta, cor

Denise Accurso


Paixão, carta, cor



Esta história começa lá nos anos 70. Uma menina, entre 13, 14 anos, vivendo sua primeira paixonite por um coleguinha de aula. Horas deitada, olhando o teto do quarto, imaginando beijos e abraços - mais não conhecia para imaginar.
Essa menina tinha uma melhor amiga, também colega de aula. Tinha, ainda, um viés divertido, uma propensão a brincadeiras, a uma certa ironia. Já havia aprontado com essa amiga e escrito para ela uma carta em nome de um menino da escola. Fora desmascarada.
Daí surge a ideia - porque não escrever uma carta para o rapaz objeto de sua paixão? Tinha a questão da letra. Ora, a ideia não era poder ser desmascarada? Fez com sua letra. Não assinou.
Nenhuma das duas sabia o endereço do garoto. A amiga disse "não precisa endereço, dá aqui essa carta". Na hora do recreio, enfiou a carta no caderno do rapaz.
Acabou o recreio, todos voltaram e o que aconteceu? Nada!
Passaram os dias. A autora da carta começou a se sentir aliviada por não tê-la assinado. Nada aconteceu, nada mudou.
O tempo passa. Novos amores, novas paixões, menos puras, talvez, mas melhor sucedidas. Tudo fica encoberto pelo esquecimento.
A menina, agora com mais de 50 anos, recebe um e-mail daquela que, outrora, fora sua cúmplice. Fazia tantos anos que não tinham contato. Se reencontram. O assunto da carta não vem, na verdade, nenhuma delas sequer se lembra, havia tanto a contar uma da outra, tantos fatos, casamentos, trabalho, filhos. Ambas tinham mudado tanto, e, ainda assim, eram as mesmas.
Surge a ideia de reencontrar outras colegas. Desse reencontro de cinco ou seis "meninas", nasce o plano de juntar a turma do ginásio. Nossa menina escritora de cartas começa a sentir um leve incômodo. Ai, que vergonha! Vou ter que falar no assunto. Comenta com a amiga, que lembra de tudo; riem, divertidas.
Cria-se um grupo de whatsapp - moderno isso! E lá vem o tal garoto para o grupo. Hora de falar do elefante na sala.
Se ainda fosse possível, talvez nossa menina enrubescesse, mas depois dos cinquenta, e por trás de um celular, já não há espaço para essas manifestações virginais. Ela confessa - não sem invocar a cumplicidade da amiga, claro.
E vem a resposta pelo wats: eu sempre soube que tu tinhas escrito a tal carta. Escreveste a carta com aquela caneta verde que ninguém mais usava! Pra fazer esse tipo de pegadinha com os colegas, tinhas que ser mais cuidadosa.

 

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