Medo

Denise Accurso

Acordo assustada com aquele barulho vindo da sala. Um som estranho,como se alguém pisasse em cacos de vidro.

Não que eu estivesse dormindo profundamente. Hoje está aqui comigo, dormindo na minha cama pela primeira vez, meu novo namorado. Estou animada, pois esse tem potencial para ser O Cara. Já não era sem tempo, não aguento mais responder aos infindáveis questionamentos da minha mãe, nem ver seu olhar decepcionado a cada término que tenho que lhe contar. Também, já estou perto de fazer 40 anos, consigo entender o desespero dela. Netos, ela sonha com netos. Eles virão, eles virão.

Não tenho coragem de fazer o menor movimento para ver que horas são ou acender a luz de cabeceira. Estou totalmente acordada e arrepiada com aquele som. Não tenho certeza de ter fechado a janela da sala. Moro no segundo andar, seria uma escalada arriscada mas não impossível para algum invasor. É a única explicação possível, já que pus,com certeza, a corrente de segurança na porta.

Meus ouvidos doem, tentando capturar qualquer som. Silêncio total. Imagino o ladrão/estuprador/assassino assustado também com o barulho, imobilizado na minha sala pequena… Quem sabe ele vai embora e posso continuar dormindo? Ou ficar acordada imaginando o dia de apresentar O Cara para minha mãe, nós duas trocando olhares cúmplices cheios de felicidade, ambas nos imaginando eu grávida, talvez de gêmeos, felicidade em dobro! O Natal está próximo… Poderíamos noivar no Natal, isso seria o máximo. Casaríamos em maio. Os bebes poderiam vir um ano depois. Perfeito!

O barulho se repete, alto. Dessa vez dura vários segundos, como se ao invés de dar um passo sobre cacos de vidro, a pessoa os pisoteasse, querendo esmagá-los. Sinto uma corrente gelada percorrer todo meu corpo. Estou aterrorizada! Ele vai nos matar. Vai ser um alívio pra minha mãe que pelo menos eu não morra sozinha, como tantas e tantas vezes ela previu, mas eu preferia não morrer hoje. Logo hoje! Comprei coisas deliciosas para preparar o café da manhã. Com sorte, O Cara vai achar que se ficar comigo a vida vai ser sempre assim, croissans, suco de laranja feito na hora, torradas, omelete com manteiga.… Queria muito fazer esse café. Queria muito deixar minha mãe feliz. Queria muito ser feliz. Por favor, não quero morrer hoje! Pegue o que quiser e saia por onde entrou.

Ai! O barulho de novo, dessa vez por cerca de 20 segundos. Até o cara acorda e pergunta que barulho é aquele.

Não sei, respondo, mas acho que alguém entrou pela janela da sala. Não lembro de ter fechado.

Não há mais barulho nenhum. Estamos cochichando. O Cara, então, diz ter fechado a janela quando fui ao banheiro, receoso de alguma bisbilhotagem dos vizinhos.

Se nenhum ladrão de carne e osso pulou a janela… Quem, ou o quê, está na minha sala, nos aterrorizando, estragando minha noite com esses barulhos horríveis? Que espírito maléfico resolveu me assombrar logo hoje? Veio me buscar? Ou veio buscar O Cara? Ou veio buscar nós dois?

Começo a chorar em silêncio. O Cara percebe e me abraça. Não há mais qualquer som. Sinto, além do medo, um grande cansaço. Não sei, não lembro como, mas dormimos.

Acordo com luz do sol entrando forte por todas as frestas do apartamento. O Cara está lá, dormindo também,agarrado em mim.

A claridade meio que dissolveu completamente o medo. Saio da cama com jeito para não acordá-lo. Meio receosa, chego à porta da sala. Imediatamento começo a rir.

Está caída no chão, toda quebrada, a guirlanda de sinos de vidro que ontem preguei na parede com durex.

 

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