Buenos Aires

Denise Accurso

Era a primeira vez que Jairo ia a Buenos Aires. Aliás, era a primeira vez que ia a qualquer país diferente de sua pátria. Também era sua primeira viagem de avião.

Nada daquilo seria possível se um dos filhos de Jairo não tivesse vencido na vida e decidido proporcionar ao pai, no seu dia, essa experiência, tão inacessível para ele quanto uma voltinha em um disco voador é para nós.

Assim, ele e o filho rico estavam desembarcando naquela cidade. Ele não entendia muito bem, mas sempre tivera adoração por tango. Essa adoração fora o principal fator levado em consideração pelo filho ao propor esse presente ao pai.

A viagem de avião, vendo as nuvens logo abaixo deles, já o deixara desconcertado. Toda aquela rotina burocrática do aeroporto, o despacho das bagagens, as orientações da aeromoça, tudo o encantava. Era ele a criança e o filho, o adulto.

Instalarem-se no hotel, tomarem o café da manhã, tudo era objeto de admiração e questionamentos. O filho, viajador veterano, munia-se de paciência, mas às vezes sentia um quase-arrependimento. Começou a preparar o pai para as diversas situações, tentando evitar que ficasse tão evidenciada sua total inexperiência. Vigiava o pai, com medo de que ele se perdesse e não conseguisse se fazer entender ou, pior ainda, que fosse enganado e furtado.

Pai e filho formavam uma dupla no mínimo interessante. O filho, homem alto, elegante, vaidoso. O pai, baixo, sem grande capricho no vestir e sem sequer perceber isso. O filho ficara chocado ao ver a bagagem que Jairo levara, composta de calças jeans surradas, camisas xadrez, jaqueta jeans muito desbotada, tudo muito simples e envelhecido. Tratou de comprar algumas peças novas de roupas para Jairo, que, constrangido, nada queria aceitar. O filho comprava mesmo assim.

E assim, naquela manhã, Jairo usava suas roupas novas e sentia-se envaidecido. O filho disse que iriam à Boca, bairro tradicional de Buenos Aires, mas que esse passeio requeria cuidados especiais. Lembrando do aparvalhamento de Jairo diante das novidades, carregou nas tintas e pintou a Boca como um bairro muito perigoso, cheio de assaltantes e marginais. Insistiu que Jairo não deixasse estranhos se aproximarem demais e implorou que não se afastasse e permanecesse sempre à sua vista.

Chegando à Boca, foi muito difícil Jairo seguir as orientações do filho. Tudo atraía seu olhar, tudo o fazia querer parar e contemplar, boquiaberto: as casas multicoloridas, o estádio famoso, as lojinhas, o povo passando e tomando mate. Então, viu uma cena que o atraiu mais que tudo: um casal dançando tango ao som de um daqueles antigos aparelhos de rádio e CD.

A mulher, especialmente, o encantou. Era uma loura alta, enorme, com seios fartos. O vestido, negro e brilhante, era justo e tinha uma fenda gigante, revelando uma coxa de dimensões consideráveis a cada evolução da dança. Ela usava sobre os ombros uma espécie de xale comprido, vermelho, que dava duas voltas sobre seus ombros. Jairo viu tentando não ver, olhou tentando disfarçar, reduziu o passo. Buscou o filho com os olhos e viu-o acenar com a cabeça, parecendo autorizar sua parada para admirar a dança.

A mulher logo percebeu o olhar diferente de Jairo. Aproximou-se e, com um sorriso, estendeu-lhe a mão, convidando-o a dançar. Jairo lembrou de todas as recomendações feitas por seu filho, mas não queria ser descortês e, balançando a mão diante do rosto, disse várias vezes: “depois… depois”.

Foi totalmente surpreendido pela reação da dançarina, que tirou o xale dos ombros e, num gesto rápido, enlaçou-o e o puxou para si, o que fez com que seu rosto se enterrasse entre os seios da possante mulher.

Segurando o xale com as duas mão e mantendo Jairo completamente imobilizado, disse, abaixando a cabeça e aproximando sua boca da orelha dele: “con las argentinas no hay más tarde… solo ahora”.

Afrouxou então o laço que mantinha Jairo cativo e o largou, trêmulo, na calçada, afastando-se às gargalhadas.


 

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