A Campanha dos Ratos

Orlando Merino

O local permanecia fechado havia mais de um mês, após uma denúncia anônima pela proliferação de ratos no vilarejo. Rezava-se muito para que ninguém adoecesse nem morresse por causa dessa praga.
Os vizinhos estavam preparados para combater o hóspede não desejado. Um contingente de gatos e piaçabas compunha o arsenal das carolas, que toda terça-feira, às dezessete horas, frequentavam a missa do Santíssimo. Já os mais metidos a espertalhões, queriam testar suas arapucas, umas, com rampa em desnível; outras, menos originais, apenas com potinho de água e uma fatia de “queijinho” no final do percurso.
O fato é que ninguém sabe por que as carolas se coçavam tanto as anáguas, devia ser que os pecados estavam sendo banidos por causa da homilia. Ao sair da igreja, o desconforto era compensado pelo deleite de saberem-se observadas nos logradouros, elas buliam a saia com dissimulo e seguravam o véu ao pescoço, insinuando pressa de chegar à casa, para a reza do terço em altar particular. Era justo lá que, rente ao castiçal e diante da imagem do Cristo Crucificado, cada uma sentia-se lavada de seus pecados, abandonada pela coceira e finalmente, disposta a assumir o hábito, não o das freiras, senão o da condição mais vulnerável e, amiúde, restauradora da organicidade humana: o Sono. O escuro que dominava suas acomodações desimpedia os bichinhos de se alastrarem por tudo o que era canto, desde que não deparassem com alguma das arapucas.
Os preguiçosos gatos se encostavam dos pés de suas donas, desdenhando a presa. Piaçabas vigiavam, indignadas, os ratos sem poder se mexer. Com sorte, algum deles poderia derrubar sua haste e assim, sustar o sono de alguém na casa.
Nada resolvia: Arapucas que não passavam de mero objeto decorativo eram, sim, um flagrante para os desavisados que esbarravam nelas, machucando os dedos; piaçabas estacionadas ao lado de braseiros; gatos mandriões; carolas cheias de denguice. Ninguém percebeu que se tratava da maior mobilização advinda do submundo, era a reivindicação dos roedores que já havia exaurido as carnes daquele local defronte à igreja: O campo-santo.

 

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