Certeza

Denise Accurso

Magda finalmente parou de fugir e assumiu: estava apaixonada pelo professor de Direito Penal. Um velho feio, calvo, baixo, fisicamente sem graça, bem diferente de seu marido, frequentador de academia e vaidoso de sua barriga-tanquinho.

Estivera negando para si mesma. Estava evidente para todos, porém, e os colegas já faziam brincadeiras a respeito.

Nos dias de aula de penal, dava um jeitinho de passar em casa, tomar um banho, por uma blusa mais decotada, uma saia mais curta. Costumava sentar sempre na terceira fila, mas, para as aulas de penal, sentava bem na frente. O professor perguntava onde tinha parado, ela oferecia seu caderno. Ele parava de pé, do seu ladinho, lendo junto com ela, e seu terno muitas vezes a tocava. Ela respirava aquele odor de tecido, suor e desodorante que emanava dele.

Estudava a matéria furiosamente, tirava só dez nas provas. Lia acórdãos com seu nome, buscava-o com os olhos pelos corredores da faculdade. Tinha a impressão que ele não estava de todo indiferente.

Chegou o dia da turma de Magda visitar o presídio central. Ela conseguiu uma dispensa no trabalho e foi. Descobriu nesse dia que jamais poderia ter qualquer contato prático com o tal Direito Penal. Viu coisas chocantes, tristes. Conversou com presos gravemente doentes, que ainda assim faziam planos de um futuro fora da prisão. Outros já haviam cumprido suas penas, não eram libertados por falta de advogado. Ouviu muitas histórias.

Ela não sabe muito bem por que, mas lágrimas começaram a sair de seus olhos. O professor viu. Veio para junto dela e a envolveu pelos ombros. Tirou o paletó e colocou sobre ela.

Aquele cheiro, aquele contato… Magda já não sabia muito bem onde estava ou porque tinha chorado. Seus sentidos estavam enlouquecidos, ela saboreava cada minuto.

Durante o resto da visita, o professor não a deixou. Na hora de ir embora, disse que a levaria em casa. Magda tremia.

Entraram no carro. Ele olhava para ela e falava alguma coisa, mas ela não escutava. O tempo tinha desacelerado, tudo estava mais devagar. Ela fixou o olhar na gravata dele. Vermelho e marinho em listras oblíquas. Vermelho. Marinho. Vermelho. Marinho. Estendeu o braço, muito lentamente, para não afugentar aquelas cores. Tocou-as. Apertou-as. Puxou-as para si. Beijou aquele homem com fúria, com desespero.

Muito tempo parecia ter se passado. Ambos estavam desgrenhados, os lábios inchados. Alguém disse: “preciso ir embora”. O professor colocou as mãos no volante. Magda gostou de ver o quanto tremiam.

Ela não lembra de ter dado o endereço, não lembra de ter chegado ou de ter se despedido. Só lembra que, de repente, tudo fazia sentido.

Subiu as escadas, abriu a porta, viu o marido ali sentado. Não disse oi. Disse apenas:

- Eu quero o divórcio.

 

voltar para página do autor