O Pequeno Príncipe dos Negócios

Gilmar Caldas Peres

Sentou-se à cabeceira da interminável mesa de reuniões, varreu o olhar brevemente, percebendo carrancas e nenhuma empatia. Houve tempos em que ali se contavam histórias alegres, anedotas picantes e trocavam tapinhas nas costas. A cidade sob os seus pés podia ser percebida pela a parede de vidros, enquanto homens engravatados e mulheres descoloridas olhavam para relatórios ou o simples vazio. O som era de cadeiras sendo arrastadas, pastas empilhadas e alguém servindo um copo d’água, enquanto outro mexia com força demasiada uma colher no café. Percebeu o quanto estava desbotada a foto do patriarca na parede do outro lado da sala. Talvez, se percebesse antes, não estivesse naquela situação. Ali, queria ter a certeza dos conselheiros, a pressa dos acionistas e a ferocidade dos sindicalistas a sua volta. Porém, olhando para o quadro, lembrou-se do ensinamento daquele velho de pouco estudo: acima de tudo, deveria priorizar a empresa de quem muitas vidas dependiam.

O momento de procurar causas ou culpados já havia passado. Ou, pelo menos, não era aquele. Na cabeceira da mesa, importava chegar a bons termos as negociações para tentar salvar o máximo possível do patrimônio e continuar o negócio, torcendo por novos eventos que trouxessem fôlego ao grupo. Muito se falava em possíveis acordos para uma saída sem traumas e de uma retomada no futuro. Porém, as expectativas eram pequenas, para não dizer nulas. Havia esgotado o poder de barganha e de influência política à espera de ajuda. Antigamente, não precisaria levantar o telefone para conseguir audiências em palácios governamentais ou em gabinetes luxuosos. Pelo contrário, bateriam à porta oferecendo favores e serviços. Agora, todos sumiram como se fosse portador de um vírus contagiante.

Naquela mesma sala, recebeu presidentes, ministros, senadores, deputados juízes e uma série de agentes políticos de praticamente todos os campos ideológicos e diversos países. Uma multinacional daquele porte não poderia ficar restrita às questões partidárias. Os serviços e produtos ofertados pelo grupo transcendiam fronteiras. Ter uma boa relação com eles era fundamental para o desempenho dos negócios das empresas, dependentes de políticas públicas e acertos de toda a ordem. Tamanha era sua relevância que era conhecido mundialmente como “o pequeno príncipe dos Negócios”. Com algumas trocas de mensagem, o mundo se movimentava conforme seus desejos como um jogo de xadrez à distância, onde as pedras faziam movimentos meticulosamente planejados.

Mas o jogo havia mudado e a relevância agora virou contra si. Como uma avalanche caindo ao seu encalce numa velocidade assombrosa. Por mais habilidade que tivesse, ela lhe alcançaria em instantes, jogando uma montanha de gelo por cima. A esperança era correr o mais rápido possível e ser resgatado com poucas fraturas.

O momento em que o jogo havia mudado ele sabia. Foi quando estourou o primeiro escândalo de corrupção envolvendo o assessor direto. As barganhas, os negócios e as trocas de favores eram perfeitamente normais naquele jogo. Entre eles, esse tipo de relação nem era tratada como corrupção. Como um código de ética entre mafiosos. Afinal, não haveria negócios sem a intermediação de políticos e o dinheiro de empresários. A boa e velha forma de criar dificuldades para vender facilidades. Aproveitando-se dessa situação, o Pequeno Príncipe se antecipava e organizava as atividades, procurando ser o mais justo possível, ou seja, oferecendo vantagem a todos. Haveria maneira mais honesta? Nunca conseguiram socializar os lucros e executar tantos projetos até então. Era a única maneira de fazer alguma coisa. Não fosse assim, não taparia o buraco na frente da sua casa sem que alguém usasse a caneta para atrapalhar. Pelo menos essa era a sua ideia de mundo.

Quando herdou o posto de seus antepassados, a empresa já era uma potência reconhecida. Era um grande grupo e muito respeitado. Mas foi na gestão dele que se tornou um dos maiores conglomerados do mundo. A habilidade em se relacionar com as pessoas das mais variadas culturas e entendendo a linguagem dos negócios como poucos, junto com uma habilidade para organizar as relações, catapultou os negócios a uma grandiosidade impensada pelo seu fundador.

A boa e velha prática do toma lá da cá não seria mudada por ele ou pelos seus procuradores. Claro que não. Há séculos as coisas eram assim e sempre serão. Isso ninguém lhe tirava da cabeça. Quisera ser o mais puritano possível e poder atuar com as boas regras de mercado. Porém, diante das circunstâncias e da ganância dos outros, era praticamente impossível. Sempre deixaria um pouco de dinheiro na mesa, caso contrário, não haveria negócios. Sua alternativa foi se transformar no dono da banca. Em quem dava as cartas e controlava o cassino. Se alguém fugisse às regras, sairia do jogo. Como estava mais poderoso do que nunca, ninguém se atrevia. Mas todos sabem que quanto mais altas eram as apostas, maiores eram os riscos. A banca, embora improvável, poderia quebrar.

Diante daquele alarido de disputas numa mesa sem um croupier respeitado, passou a contar as horas para a entrada da polícia no escritório, levando-o para interrogatórios intermináveis, negociações complexas, altos custos jurídicos e uma mancha irreparável à imagem da família. Outros estavam passando por tudo isso. Os filhos na escola, um casamento em ruínas, disputas entre sócios, credores, fornecedores e uma infinidade de stakeholders. Tudo viria à tona numa velocidade incontrolável e atingindo a família de frente. Alguém fala:

- Presidente. Presidente. Precisamos definir logo, entramos ou não com o pedido de recuperação judicial?

Ele respirou fundo e buscou ponderações, mas elas não existiam. Girou a cadeira como se buscasse alternativas, também não vieram. Então, olhou para o patriarca mais uma vez e lembrou os conselhos do velho, respondendo:

- Se essa é a única alternativa para salvarmos parte da empresa. Prossigam! – Levantou-se rapidamente, dirigiu-se ao heliporto e foi para sua cobertura num dos prédios mais imponentes da cidade, à espera das repercussões negativas à beira da piscina, enquanto ainda podia.

 

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