Tudo que posso ser

Maria Avelina Fuhro Gastal

Quando pensei que minhas opções na vida estavam reduzidas, me deparo com possibilidades infinitas. Reavaliando minhas vivências, qualificações e aprendizados percebo que estou apta a diversos cargos. Não tenho mais paciência para montar currículos, então divulgo aqui minhas habilidades e aspirações para, quem sabe, vir a ser indicada e defendida como melhor opção para o desempenho competente das atividades inerentes aos cargos.

1. Trabalhei por vinte e nove anos na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e sei onde fica o TCE, portanto estou qualificada a ser Conselheira do Tribunal de Contas do Estado.

2. Meus sobrenomes têm origem francesa e sei fazer uma quiche Lorraine deliciosa. Posso ser Embaixadora na França.

3. Fui casada com um descendente de índios e adoraria aprender Tupi-Guarani. Perfeita para Presidente da FUNAI.

4. Fiz redações no colégio, trabalhei com redação final de textos legais, publiquei em coletâneas e um livro de contos solo. Habilitada para Presidenta da Academia Brasileira de Letras.

5. Gosto dos quadros dispostos de forma harmônica e de armários organizados e com potes etiquetados. Posso ser Curadora da Bienal do Mercosul.

6. Já li Memórias do Subsolo, O Capote, Os Irmãos Karamazov e Crime e Castigo. Não sei se suportaria ser adida cultural na Rússia por causa do frio.

7. Sei várias marchinhas de carnaval, assisti ao desfile das escolas de samba na Sapucaí pela Globo, posso recuperar os vinte e cinco quilos eliminados e me tornar Rainha Momo, em nome da igualdade de oportunidades entre gêneros.

8. Ainda em nome da igualdade, posso ser Mãe da Psicanálise, pois faço análise há oito anos.

À medida que escrevo, percebo inúmeras possibilidades nunca exploradas. Tenho predicados para contribuir em várias esferas do Governo Federal. Prefiro cargo de ministra, onde posso imprimir minhas convicções com mais liberdade. Colocarei ao lado de cada Ministério minhas credenciais para que facilite a análise em caso de escolha:

1. Ministério da Cidadania: sei o Hino Nacional, o da Bandeira, o do Rio Grande do Sul, o da Legalidade e o do Colégio Sévigné, faço doação na campanha do agasalho e, às vezes, dou esmola na rua.

2. Ministério da Saúde: só tomo remédio com prescrição médica, faço check up anual, tomei a vacina da gripe e uso álcool gel nas mãos.

3. Ministério da Transparência: todos dizem que deixo na cara o que estou pensando e sentindo.

4. Ministério da Agricultura: amo alface, como muitos vegetais e frutas, tenho várias folhagens em vasos pela casa e estou pensando em montar uma hortinha vertical na sacada.

5. Ministério da Educação: dou bom dia, boa tarde e boa noite para as pessoas.

6. Ministério da Economia: já entrei no cheque especial, já fiz empréstimo para cobrir o cheque especial, já gastei em reais, pesos, dólares e euros. Tive poupança, mas hoje aplico em fundo de investimentos.

7. Ministério da Justiça: fui assaltada três vezes e já tive cartão de loja clonado.

8. Ministério dos Direitos Humanos, Família e Mulheres: sou mulher, criei dois filhos sozinha, tenho formação em Terapia de Casal e Família, gosto das cores do arco-íris, adoro goiabada, sei lavar roupas, limpar a casa e cozinhar. O único problema é que fui separada, mas como meu ex-marido já morreu e nunca fizemos o divórcio, hoje sou viúva.

9. Ministério do Turismo: tenho duas malas grandes e várias malas para transporte a bordo. Já viajei de carro, ônibus, trem, barco e avião. Meu passaporte ainda está dentro da validade. Não tive dificuldade alguma para obter os vistos americano e canadense.

Apesar de todas as minhas qualificações, há cargos que não tenho o perfil para ocupar. Jamais poderei ser Embaixadora na Itália, pois não suporto molho vermelho, nem berinjela. Mas o pior é que não tenho o necessário para presidir o país, pois penso muito antes de falar, não tenho conta no Twitter e falo o português quase correto. Teria que desaprender muito para me candidatar ao cargo.

 

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