Branca e Pura

MARIO ROBERTO DA SILVA ULBRICH

Branca e Pura

Acordo cedo, dia sim e outro também, sem um sequer de descanso semanal. Desde que perdi meu emprego formal, trabalho em vendas; meu negócio é ao ar livre em lugares onde sei que há boas possibilidades de encontrar clientes. Atuo seguindo uma velha e surrada receita na qual a principal preocupação é chegar em primeiro lugar para ocupar o ponto.
Tenho o cuidado de conservar os mesmos locais de vendas. Conheço meus clientes; eles me conhecem e sabem onde me encontrar. Depositam confiança em mim.
Agrego à receita o cuidado de poder levar minha loja nas costas. Toda a mercadoria é acondicionada em uma única e imensa mochila. Com isto obtenho um ingrediente importante que denomino mobilidade. Se em meu ponto o mar não está para vendas, busco outra praia. Tenho sempre presente a música “Nos Bailes da Vida” do Milton Nascimento, que diz que – Todo o artista tem que ir onde o povo está. Trocando em miúdos, como bom vendedor, vou à procura dos meus compradores.
Outro item importante no todo do procedimento é o pregão. Há que anunciar a mercadoria! Quando calado, pouco vendo. Quando divulgo, procedo com todos os necessários cuidados. Não ofereço para quem eu avalio não ser apreciador do produto. Faço o pregão em voz alta, mas não gritado. A polícia e a fiscalização estão sempre por perto e meu negócio não emite nota fiscal e muito menos recolhe impostos. Sabem como é, mesmo no meio de tanta roubalheira praticada pelos graúdos, só vai preso quem tem que se virar para sobreviver.
Nesta crise repousa uma tênue vantagem. O povo está se conscientizando de que deve buscar produtos a preços honestos, com qualidade. E este é o principal ingrediente da minha receita de vendas: o meu produto é de qualidade, confiável, sedutor, branco e puro.
Retorno para casa ao final do dia sempre extenuado. As vendas são escassas e ainda tenho de repassar parte significativa dos meus parcos ganhos para o meu fornecedor, que fica com a maior parte da receita. Embora deseje, não posso pensar em buscar outros fornecedores. Ele é o único, dono do pedaço.
A despeito de todos os esforços as vendas andam em baixa, não somente devido à crise econômica que o país atravessa. As constantes denúncias de bandalheiras generalizadas, dirigidas a pessoas e instituições é que criam o vácuo do desencanto no consumidor.
Desistir do meu ganha-pão, não posso. Tenho que garantir o leite das crianças, comprar os remédios da patroa e sustentar meu pequeno vício de um ou dois copos diários de uma “legítima azulzinha” de Santo Antônio, porque não sou de ferro!
Se avaliarem com justiça e sem preconceitos, hão que concordar, que é dureza ganhar a vida vendendo cocadas.

Mário Ulbrich

 

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