Coelhinho da Páscoa, o que trazes pra mim?

Jacira Fagundes

Aproxima-se outro domingo de Páscoa. E as pegadas do coelhinho em direção ao esconderijo, são cada vez menos visíveis.

Às crianças, já não interessa a quantidade de coelhos e ovinhos de chocolate que encontram nos ninhos no domingo de Páscoa – um ovo, dois ovos, três ovos, assim...

Sequer a cor viva, brilhante, os coloridos intensos dos ovos – azuis, amarelos e vermelhos também...

Menos ainda a canção que embalou dias e noites de espera, só aliviada no momento do encontro com o ninho que coelhinhos diligentes se incumbiram de encher na véspera, durante a calada da noite – Coelhinho da Páscoa, que trazes pra mim...

Somente depois de intensa busca, acompanhando ou não as tênues pegadas do coelho, é que curiosidade, surpresa e fantasia se misturavam à realidade. E então o ninho era ostentado com alegria, e tudo dava lugar ao encantamento.

Porém, as crianças de hoje, perderam este encantamento, o que, sem dúvida, é de se lastimar.

Entre as preferências dos pequenos estão, em primeiro lugar, as marcas do chocolate, as que são charmosas e disputadas através da mídia. Interessa , mais do que a diversidade e tamanhos dos ovos, os brinquedinhos escondidos em seu interior – pecinhas de montagem de algo desajeitado e ordinário, geralmente abandonadas devido à dificuldade de encaixe. Ou ainda por desinteresse momentâneo.

Para garantir que vocês – pais, padrinhos, tios e avós – façam a coisa certa, quer dizer, acertem nas marcas e nos pesos e ainda atentem com absoluta garantia, na observância do brinquedo surpresa que deverá constar no interior dos ovos, elas se fazem presentes em hora e local, substituindo os já não tão confiáveis coelhinhos da canção. Como investidores exigentes, conferem procedência, prazo de validade, vulnerabilidade de embalagens e decidem sobre a compra. A vocês – representantes financeiros dos coelhos – cabe o pagamento no caixa. Papai e Mamãe, por receio de desacertos frente a seus pequenos, costumam concordar e sentirem-se mais seguros com a aquiescência dos filhotes.

A surpresa, a busca, a curiosidade infantil e a fantasia que até aqui permearam as manhãs do domingo de Páscoa, que rumo tomaram? Provavelmente o rumo da indiferença. Porque a busca foi antecipada: aconteceu ali no supermercado, entre as muitas opções de peixes para a sexta-feira santa e de carnes para o churrasco de domingo; e o pouco de encantamento adquirido durante a transação ficou esquecido no carrinho, depois do caixa.

Ouso acreditar que talvez o afastamento destes e de tantos outros singelos rituais esteja concorrendo para que muitos dos jovens e adolescentes de hoje, por solidão ou desencanto, tenham desistido, tão precocemente, da caça aos legítimos “Ninhos de Páscoa” recheados de sabores verdadeiros. E se joguem – vítimas inocentes – na busca de ninhos nefastos e infelizes, repletos de “ovinhos” cujo recheio não passam de brinquedinhos mortíferos e mal encaixados.



 

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