Na Mata

Liz Quintana

Primeiro foi o silêncio amortecendo meus sentidos e fazendo relaxar, pensei que toda a história de ontem era só a minha cabeça, como sempre. O céu foi aos poucos mergulhando na escuridão e os sons da noite ciciando em meus ouvidos. Precisava beber água. A garganta arranhando e a lembrança dos pãezinhos sobre a mesa me angustiaram.
Apenas uns passos, mas eu estava amarrada em medo. O movimento denunciaria minha presença viva. Aguentei por muito tempo, calculei o trajeto e os gestos, as sombras e o efeito no ambiente. Controlei tudo, nem respirava, mas o suor teimava em escorrer. Talvez eu fosse descoberta pelo cheiro já que isso eu não poderia esconder.
Atravessei parte da sala, enrolei uns pães na minha blusa, segurei a garrafa de água e voltei para o canto onde poderia saciar por um tempo a fome e a sede. Satisfeita aguardei, não sabia se ele voltaria, fiquei ali, com os olhos esbugalhados e atenta a tudo. Uma coruja, o vento, as folhas secas no chão.
Senti algo diferente, minha respiração ficou incontrolável, percebi o odor dele. Os pelos fartos e sujos, ofegando e bufando, era insuportável saber da sua proximidade e sentir que estava totalmente entregue. Fui escorregando entre as poltronas, tentando fazer o movimento oposto ao dele, buscando a saída. Precisava me manter oculta por mais um tempo para ter alguma chance.
Estava perto da saída quando ele esbarrou na mesa e fez um tremendo estrondo. Oportunidade. Corri até a porta, ele me viu e soltou um urro assustador. Consegui entrar na mata, o enorme animal peludo, mesmo se arrastando, era mais rápido que eu.
Gritei, ele me alcançou e mostrou toda a sua força me arremessando em uma pedra. O sangue escorreu em meu rosto, meus olhos, agora ferozes, incendiaram de raiva e dor. Agarrei um enorme galho e fiquei aguardando mais uma investida.
Lutei, fui forte, ele era imenso. Agora estou sozinha, deitada no meu sangue, coberta de dor, não sei que parte de mim está inteira e nem por quanto tempo. Ao lado, o cheiro insuportável dessa imensa fera sem vida.


 

voltar para página do autor