Sobre Vozes da Ancestralidade

Neusa Demartini

O livro, narrado como uma novela, é uma narrativa que parte de uma primeira realidade. Um fato jornalístico ocorrido em Madri, tratado não como documentário, mas com meu estilo de contadora de histórias reais ou imaginárias, que fluiu através de uma segunda realidade: a dos meus sentidos.

Fatos reais sempre costumam ser meus materiais de partida, cujo hábito vem pela minha formação de jornalista. Mas um fato não é só aquilo que consta de uma notícia ou qualquer outra matéria jornalística. O fato, aquele que foi publicado na mídia, é apenas um recorte fugaz de uma realidade, visto de um determinado ângulo muito fechado, do nosso olhar. E de todos os olhares a que está exposto.

Antes do ocorrido, há uma história anterior e que após, continua. Muitas vezes na nossa imaginação. E aí, está a Literatura.

O Realismo Fantástico Sul Americano é, para mim, o que mais gosto na Literatura surgida no século XX. Nos permite incluir outras realidades paralelas, para onde a imaginação nos leva.

No Brasil assumimos com naturalidade estas outras realidades, tais como sermos ateus e cristãos e, ainda, frequentarmos o candomblé. Ou sermos europeus e, ao mesmo tempo, índios e negros. Levamos isto num mesmo corpo, numa mesma alma, despudoradamente, entregando-nos à nossa essência.

Na medida em que ia escrevendo, tinha mais motivação para conhecer as histórias ancestrais dos meus personagens, que vão desde as Reduções Jesuíticas, a Imigração Polonesa no Brasil, a Umbanda e seus Rituais, a vinda dos Escravos Negros para o Estado do Rio Grande do Sul. Madri e Lerma fizeram parte de minha vida porque morei na Espanha vários anos.

Para contar , escolhi como estrutura da narrativa uma descendência geracional, como uma Árvore Genealógica, onde um personagem vai introduzindo o outro e construindo sua própria família. Assim como nós, ao longo de nossas existências, vamos percebendo o quanto somos acompanhados, em nossas contemporaneidades, uns dos outros. Não podemos negar nossa ancestralidade. Ela está no sangue que corre nas nossas veias, na cor que nossos corpos têm e nos preconceitos que nos foram passados ou suprimidos. Somos, cada geração, um organismo formado por corpo e espírito, portando um resumo dela. Nada se perde com o tempo. Apenas se acumulam uns elementos mais, outros menos.

Então, esta estrutura narrativa é como se fosse um Genoma, onde a constituição genética de um indivíduo, em seu multiculturalismo, afeta a vida dos personagens, apresentando-se no momento trágico. Todos se agarram aos seus deuses, mitos, superstições. Sem censuras e, movidos pelo desespero, encontram a força dentro de si mesmos, cravada em seu sangue ou em sua mente.

E assim vou aprendendo: lendo e escrevendo.

 

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