Verdade em azul

Adriana Maschmann

Verdade em azul

Um fio de claridade entra pela fresta da janela. Me limito a virar para o lado, mas não consigo evitar o olhar felino intenso a invadir minha sonolência. É inútil lutar. Então, me rendo, mergulhando no infinito azul.

O olhar é como o mar: mutante e hipnótico. Carrega consigo as paixões e os tormentos da alma. Dotado de um poder mágico, através das reações da pupila, vela e revela os segredos mais obscuros.

Estremeço. As metamorfoses deste olhar não denunciam somente quem olha, mas também quem é olhado. Instrumento das leis ocultas, ele provoca, seduz, fulmina e mata. Como um espelho, expõe o conteúdo do coração, sem pudor ou piedade. E dele me faz refém.

Devagar, avanço na imensidão desta miragem.

Enfeitiçada, pressagio nosso encontro. Neste devaneio, teus olhos procuram os meus. E, quando se acham, outra vez se perdem para, ao infinito, ansiar pelo breve instante de trazer à tona o brilho e o fogo a nos manter cativos. Dois luzeiros feito o sol e a lua. Perigo, embriaguez, encantamento. Descubro neles o ardor e o receio que dão à vida seu sentido secreto. O véu levantado; o mistério, porém, inteiro. Os iniciados se reconhecem entre si. Somos, ambos, atores em uma arena simbólica de lutas interiores cujas vitórias realizam e anulam quaisquer expectativas.

Mantenho os olhos fixos nos teus. A visão é o desejo; o olho, a cobiça. Enquanto me entrego, fujo. E retorno, amparada pelo fio de Ariadne a me guiar pelos desvios do tenebroso labirinto a permear nossos caminhos. Porém, quando nos une, este ardil também nos afasta. Suplício ou mera tirania das fiandeiras em sua sádica brincadeira de controlar a vida dos mortais?

Forças instintivas observam o espetáculo enquanto pareço afundar cada vez mais neste delírio. A água agora é turva. O oceano de imagens não mais reflete um cenário límpido, cristalino. Agonizo. Sufoco. Preciso voltar. Ou morrer aqui.

Desorientada, me liberto, completamente só na penumbra do quarto.

Vindo do corredor, um miado estridente anuncia a hora do café.

 

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