Viviane Bezzi
A viagem começou bem cedo, as sete da madrugada. Era noite ainda.
Assim que o ônibus partiu, apagaram-se as luzes e os passageiros caíram em sono profundo. Pelo silêncio que se seguiu foi um apagão geral.
Já passava da metade da viagem quando os primeiros celulares começaram a tocar. Seria pedir demais que eles estivessem no silencioso. Não estavam. A paz estava prestes a terminar.
Impossível não escutar a conversa alheia. ” Morreu? Ai meu Deus, quando foi? Não me conta, puxa vida. E quando será o velório? Ah amanhã de manhã. Coitado.” Mas pelo jeito o falecido não era íntimo. Ela nem chorou.
Uma senhora mais na frente atende o telefone e deu pra perceber que ela não escutava bem. ” Oi filha, saí as sete, devo chegar as nove e meia. O médico é as dez. Hein? Ele não vai poder me buscar? Então vou de taxi e encontro ele lá. Hein?” Pobre senhora, iria ao médico sozinha. E ainda de bengala. Sacanagem. Como é que a filha não vai buscar a própria mãe?
No banco de trás desencadeou-se um ataque incontrolável de tosse. Só rezando pra nenhum micróbio pular pro banco da frente. Sempre assim, quanto mais silêncio se quer, mais barulho se ouve.
Um bebê lá no fundão acorda e chora por uns cinco ou dez minutos intermitentes, mas pareceu uma eternidade. Acordou até o tio que roncava.
Realmente a paz e o silêncio haviam chegado ao fim. Dormir assim, sem chance. Que jeito? Na próxima vez é prudente não esquecer o fone de ouvido. Antes uma música suave pra embalar o sono, do que esta serenata toda.