Verão que se vislumbra

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina de crônicas com Guto Leite – janeiro 2016
Ah, o verão! O Brasil se reencontra nesses meses. O único vermelho que importa é o da pele exposta ao sol. Não há crise, ou pelo menos ela não nos atrapalha. Churrascada, cerveja, caipirinhas, pastéis e picolés saciam nossa necessidade de paz e alegria. Compartilhamos nas redes os encontros nas areias e botequins. Somos todos felizes. Não há corpo sem vida que supere o desfile de corpos sarados. Cubram o que é feio e desnudem o belo. Sem alarde, deixem que as crianças brinquem, construam castelos de areias, furem ondas sem que percebam que a morte está ao lado. Se perguntarem, digam que o moço deve ser um vagabundo que bebeu demais, caiu, se machucou, não consegue levantar e que logo, logo a polícia vai tirar ele dali. Não deixem que um nordestino qualquer estrague o prazer de viver o verão.

Poderíamos acalmar o temor de Davos se tivéssemos um parlamentar de visão que propusesse a instituição do verão no Brasil nos doze meses do ano. Seria, também, a redenção do Parlamento, sempre tão acusado de aprovar leis inócuas. Encontraríamos nossa vocação. Seríamos o país especializado em aspectos sociológicos, institucionais, agrícolas, culturais, de políticas de saúde e desenvolvimento de políticas públicas de climas quentes. Venderíamos o nosso knowhow como país de ponta.

Em linhas gerais, o projeto teria que propor um acordo internacional, que resolveria algumas questões que afligem os países desenvolvidos. Levaríamos ao extremo a máxima de que se não pode derrotar o inimigo, una-se a ele. A proposta seria simples. Ofereceríamos o país como celeiro do aquecimento mundial. Para tanto, seríamos indenizados em dólares, alterando a curva de nossa balança comercial. Você pode estar pensando por que eles pagariam por algo que já fazem de graça com o terceiro mundo. Simplesmente porque junto proporíamos uma solução para um grande problema que eles não estão sabendo como resolver: abriríamos as fronteiras aos refugiados, em troca de uma indenização prévia nos moldes aprovados pela Dinamarca e com a mesma exigência e carência exigida para a entrada dos familiares no país. Caberia aos países europeus organizar a remessa dos refugiados, que poderia acontecer em navios de carga, onde eles pagariam a viagem com o trabalho. Aqui poderiam ser treinados como salva-vidas, já que as praias estariam permanentemente lotadas. Receberiam alojamento e comida. Teriam um turno livre para bico como jardineiros, auxiliares de cozinha, faxineiros ou mesmo salva-vidas particulares.

Você não gosta do verão? Odeia praia cheia? Não se preocupe. Pode permanecer na cidade, pois, assim como agora, alguns têm que continuar aqui para manter a economia girando. Mas ficaria com vantagens. O problema da ineficiência dos transportes estaria resolvido sem aumento de custo aos cofres públicos. Menos gente nas cidades, mais lugares nos ônibus, menos congestionamento, tempo mais curto de deslocamento, menos poluição. No litoral, o incentivo seria para a locomoção a pé ou de bicicleta, associando o hábito a um prazer de viver permanentemente o verão.
Uma simples lei obrigaria a nos reinventarmos, aproveitando aquilo que fazemos com mais gosto. Repensaríamos a educação. Os currículos litorâneos enfatizariam o movimento das marés, os grandes descobrimentos, a fauna e flora marítima, a literatura que tem o mar como inspiração. As universidades regionais poderiam se ocupar da pesquisa em câncer de pele, micoses, frieiras, a proliferação de mosquitos e animais peçonhentos e a exploração turística associada a um país de sol e alegria.

Culturalmente, expandiríamos os festivais na areia, enalteceríamos o axé, incentivaríamos a bocha e o frescobol, formando campões para futuras modalidades olímpicas. O BBB ganharia edições quadrimestrais, podendo ter a formação da casa por heróis de grupos temáticos. Seria mantida a fórmula atual gostosas e sarados, mas poderíamos acrescentar algumas modalidades com enfoque cultural ou político como coxinhas e petralhas, pagodeiros e sertanejos, feministas e machistas, praianos e citadinos, ou outras que a sociedade demonstrar interesse.

Mas para dar certo precisamos eleger Bolsonaro presidente. Com tanto verão e tantos corpos, facilmente descambaríamos para a putaria. Precisamos de um braço forte que nos mantenha na linha. Alguém que obrigue os negros e refugiados a andarem sem camisa para não esconder nenhuma arma, que faça as mulheres entenderem que se estavam de biquíni não podem reclamar, que proíba a venda de purpurina para que não respingue nos homens bem educados e que exija que as mulheres ofereçam mamadeiras aos filhos para não sermos obrigados a assistir o ato indecente da amamentação.

Parece que este é o país do sonho de muitos.

Estarei no aeroporto. Espero te encontrar lá.

 

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