Duda

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina com Guto Leite – 1º semestre 2016

O apelido é anterior ao nome. A mãe, em uma tentativa de conciliar a decepção e teimosia do pai, decidiu dar o nome de Eduarda à filha. Ao ver que nascia a terceira menina, o marido lhe disse: escolhe o nome que quiser, eu vou chamar de Duda.

Cresceu ouvindo esta história. A cada reunião familiar era lembrada a tristeza do pai por não ter tido um filho. Duda não suportava vê-lo triste e se esforçava para agradá-lo. Torcia pelo mesmo time, acordava cedo aos domingos para ver as corridas, dormia tarde aos sábados assistindo a lutas violentas que para ela não faziam sentido. Mas o pai gostava e ela decidira fazer o que ele gostava.

Mas Duda tinha um defeito. Sensibilidade exacerbada. O pai a criticava dizendo que era mais mulherzinha que as duas irmãs mais velhas juntas. Passou a ocultar sinais evidentes de feminilidade. Não usava cabelão, preferia jeans, camiseta e tênis, nas unhas só esmalte incolor e brincos muito discretos, por insistência da mãe, que temia que os orifícios fechassem sem o uso do adorno. Apesar de todo o esforço, o que ouvia do pai soava mais como uma condenação: Mesmo sem nenhuma vaidade esta menina é bonita.

Não aprendera a lutar contra os sentimentos, nem com as manifestações deles em sua face. Chorava em casamentos, adorava Roberto Carlos, ficava enternecida com uma mãe segurando um bebê e, invariavelmente, havia sido Nossa Senhora nas representações de Natal da escola.

Nas festas de 15 anos das irmãs, chorou sem controle ao ver o pai dançando a valsa com as filhas. Por sorte, seus 15 anos aconteceram no mesmo ano do casamento da irmã mais velha. Não havia como pagar duas festas. Assim, poupou o pai de deslizar pelo salão com uma menina afundada em lágrimas.

Algumas vezes, quando estava perto dos 20, desobedeceu ao pai. Mas sempre às escondidas. Produziu-se, usou maquiagem, experimentou roupas mais reveladoras, mas sempre dormiu na casa de amigas após as festas e voltava para casa sem nenhum vestígio da mulher que experimentava ser naquelas horas.

Sua estratégia não surtiu o efeito desejado com pai e ainda lhe criou problemas com a mãe que a todo instante repetia não saber o que fazer com ela, pois não suportava aquele jeito desleixado.

Duda viu nascerem três sobrinhas. A cada gestação viu o pai encher-se de esperança. Mas não viu nele a decepção que seu nascimento havia causado. O pai, agora avô, encantava-se com as meninas.

Enquanto o pai valsava com a neta mais velha na festa de 15 anos, Duda acariciava a barriga de 8 meses de gestação. Percebeu que jamais dançara com pai. Todos creditavam suas lágrimas à emoção do parto em breve. Não quis saber o sexo do bebê. Não conseguia explicar o porquê.

Três dias após a festa, acordou com dores, sentindo um líquido quente inundar os lençóis. Acordou o marido. Pediu que não avisasse ninguém. Queria só os dois naquele momento. Depois de dezesseis horas, Eduardo gritou um choro forte que encheu a sala de parto.

Duda, com o filho no colo, mas sem nenhuma lágrima na face, decidiu que seu pai não conheceria o neto.

 

voltar para página do autor