Dona Aranha

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina de crônicas com Guto Leite – janeiro 2016

Ser avó me jogou, depois de quase três décadas, de volta ao mundo infantil.

Busco na memória sons, caretas, movimentos, histórias e canções que me levem ao mundo da minha neta e que abram um espaço para estarmos realmente juntas.

Reinvento histórias tentando livrá-las do preconceito. Meus Três Porquinhos não se dividem em preguiçosos e trabalhadores. Quem sabe minha preocupação ajude minha neta no futuro a discutir meritocracia sem o ranço dos estereótipos. Ou, quem sabe, vai pensar que a avó estava caduca e já nem sabia a história direito. Não consigo dizer viveram felizes para sempre. Substituo por viveram juntos muitas aventuras. Não refiro que problemas também por achar que a realidade pode vir em doses homeopáticas ao longo da dor inevitável de crescer.

No campo das canções, fujo das rimas fáceis e me refugio em Vinícius, Toquinho, Chico e MPB4 para crianças. Os deslizes que ali existem perdem-se na qualidade da letra e do som.

Mas há uma musiquinha banal, repetitiva, que me intriga. Ela envolve uma aranha que sobe pela parede, é derrubada pela chuva, volta o sol e ela começa a subir de novo até que a chuva a derrube, de novo, e o de novo se repete no sol e na chuva, incessantemente. Ela nunca desiste. Não fica dito onde ela quer chegar, mas ela se recompõe a cada derrubada e recomeça. Pode-se dizer dela que é teimosa. Ou persistente? Que não tem estratégia. Ou é guerreira? Que não sabe o que quer. Ou sabe que não quer ficar parada? Que nunca há nada de novo. Ou que cada tentativa é um novo desafio?

Escrevendo me sinto um pouco aranha. Não sei onde quero chegar, mas sei que quero tentar, tentar e tentar.



 

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