Deus é gaúcho

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina com Fischer – Memória em pequenas coisas - 2016

O Brasil tem incríveis nove mil quilômetros de costa marítima, se consideradas todas as suas reentrâncias. Lugares paradisíacos, paisagens deslumbrantes fazem do nosso verão uma oportunidade para encontrar um lugar na areia e ao sol para aproveitar a vida conforme o anseio de cada viajante.

O Rio Grande do Sul é o estado com a quarta maior extensão de costa marítima, perdendo apenas para a Bahia, Maranhão e Rio de Janeiro e empatando com São Paulo. Temos mais costa que Santa Catarina!

Seguindo a máxima que nem sempre o maior é o melhor, nossas praias não têm a beleza natural tão enaltecida nos outros estados. Mas temos algo que nunca encontrei igual em qualquer outra praia de nosso país. Na realidade, é algo que só encontrei igual no Uruguai, o que talvez reforce a ideia de que deveríamos ser independentes. Só aqui (e lá) temos em profusão uma areia fina, esvoaçante, com poderes de invadir cada milímetro de nossas entranhas e perdurar nas costuras de nossas roupas, nos frisos do carro como lembrança constante de nossas férias.

A areia daqui (e de lá) possibilita a experiência única de ser um croquete. Besunte-se com protetor, sente-se ao sol e comece a transpirar, agradeça ao nordestão a possibilidade de aliviar o calor e, sem que você perceba, em poucos minutos estará coberto com uma fina areia que gruda em seu corpo. Pronto para fritar. Se aguentar o choque do mar gelado em sua pele tinindo, pode até tentar se livrar da areia, mas, por anos de experiência, garanto-lhes o efeito oposto. No curto trajeto entre o mar e sua cadeira de praia o vento se encarregará de trazê-la de volta em sua plenitude. Com sorte, você conseguirá livrar parte dos braços da invasão, exatamente aquela região onde eles estavam cruzados para diminuir a sensação de frio provocada pela temperatura do mar em contato com a força do vento. Os olhos exigem atenção especial. Aconselha-se o uso constante de óculos. Quanto ao nariz, em casos extremos, é socialmente aceitável uma leve cutucada para liberar uma fresta para o oxigênio.

Se você é daqueles que gosta de ir para o litoral, mas não vai à beira da praia, não se preocupe, se estiver no Rio Grande do Sul encontrará nossa tão preciosa areia em leve cobertura do seu lençol, no assento dos estofados e pousada em todos os móveis de sua casa. Ela é onipresente e resiste a qualquer pano, vassoura, balde ou aspirador já inventado.

Por fim, posso dizer que nós temos muita areia para qualquer caminhãozinho. Deus é justo, pois só o bravo povo gaúcho saberia conviver com isto.

 

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