Trilha sonora

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina de crônicas com Guto Leite – 2º semestre 2015

Aos poucos, uma sensação de aconchego foi se aproximando de mim. Nenhum abraço me envolvia. Apenas o som ritmado dos pingos de chuva em minha janela serenava as batidas alucinadas de um coração acostumado a viver frenético. Parei de escutar a rua para ouvir apenas o tilintar da chuva.

Minha vida está repleta de sons resguardados na memória, prontos para escapulir e se mostrar em um sorriso com traços de boas lembranças.

Da minha infância, guardo o repique da sineta que nos chamava para o recreio. Do pátio, a mistura de vozes, risos e histórias, sem vozes ou palavras, só pela alegria do encontro e da liberdade. Não passo impune pelo recreio de uma escola. Visto minha saia pregueada, minhas meias e camisa branca, amarro um laço no cabelo e reencontro a menina que fui e fico feliz. Um sorriso denuncia minha idade.

Da adolescência, o rugido do leão da Metro. A expectativa do encontro, dos dedos entrelaçados, do roçar dos braços, das bocas unidas. Um rugido me remete à paixão, à descoberta, ao encantamento. E eu sorrio.

Da maternidade coleciono uma infinidade de sons. O primeiro vem da minha própria voz dizendo estar grávida. Em seguida, por breves momentos, mas para sempre presentes, o som de coraçãozinhos acelerados marcando seus lugares na minha vida. As primeiras risadas, os primeiros sons, as primeiras palavras ouvidas, mas não necessariamente ditas, acompanham as vozes dos filhos que vão se transformando ao longo dos anos, mas mantém na essência, os arrulhos que me fizeram sorrir como boba. As palavras inventadas, o amor pronunciado, a homenagem em música ou verso, persistem em nossa memória, mesmo quando a declaração de amor encontra outros destinatários. Ah! E os sons do alívio? Com uma ordem e um timming preciso, acabavam com o pior dos pesadelos. Portão da garagem, portão do edifício, parada do elevador, chave na porta, a melhor palavra do mundo – cheguei – e o som dos seus corpos deitando na cama, naquele quarto de onde, pelo menos por aquela noite, preferíamos que não tivessem saído.

Não são grandes barulhos, nem melodias irretocáveis que compõem a trilha sonora das nossas vidas. São pequenos sons que se revestem de significado por fazerem sentido em nossa existência e nos fazerem acreditar que valeu a pena viver cada um daqueles momentos.

 

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