O de sempre nunca é igual

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina de crônicas com Guto Leite – janeiro 2015

Com um sabor de transgressão juvenil, decidi ir ao cinema na sessão das 15h50m em plena tarde de um dia útil de verão. Apesar do direito adquirido de ser dona dos meus dias depois de anos cumprindo horário, ainda me sinto transgredindo se vou às compras, leio um livro, assisto a um filme ou faço nada durante a jornada de trabalho dos outros.

Escolhi assistir ao Boyhood. Por quase três horas, os atores envelhecem na nossa frente. Vão de crianças a jovens adultos e de jovens a senhoras e senhores maduros. Suas vidas transcorrem como todas. Os conflitos fazem parte da rotina, as cenas se repetem no cotidiano e, ocasionalmente, algo inesperado altera o rumo da vida, fazendo parecer que não conseguirão prosseguir, e logo a seguir, a vida está repetindo o cotidiano, sem grandes abalos. Na sucessão das cenas é que percebemos as mudanças já incorporadas ao viver.

Saí do cinema com a sensação de não saber por quanto tempo tinha estado lá. As lojas fechadas no terceiro andar do shopping aumentaram minha confusão. Afinal há quanto tempo estava ali? A resposta nada filosófica veio em uma mensagem do whtasapp: fogo no Moinhos Shopping. Alguém aí? Senti um certo alívio, desproporcional à informação. Pelo menos não estava perdida no tempo. Ou estaria?

Pela lógica do diretor de Boyhood, minha vida poderia ser contada em cerca de 12 horas de filme. Provavelmente com quatro intervalos e várias desistências de espectadores ao longo da exibição. Minha vida, como a de todos nós que não nascemos para heróis ou vilões, tem altos e baixos, alegrias e tristezas, perdas e ganhos, drama e comédia. Talvez falte aventura, mas sempre podemos alterar o roteiro.

No entanto, o que mais me fascina é esta sensação constante de que tudo é sempre igual até que repentinamente muda para um outro sempre igual. Convivem em mim a criança tímida, a adolescente insegura, a estudante ansiosa, a jovem mãe inexperiente, a profissional comprometida e atarefada. Não sei em que momento a menina cresceu, seus filhos nasceram, cresceram e saíram de casa e a jovem mãe se tornou avó. Onde eu estava quando tudo acontecia? Estava enlouquecida tentando dar conta de tudo? Ou simplesmente estava vivendo cada etapa sem perceber a sucessão delas.

Existe algo de revelador nesta etapa da vida. O tempo coexiste em nossa memória. O aroma de um doce te leva à casa da vó com todos os primos correndo no pátio, uma música ao primeiro amor, um livro a uma vivência, o nascimento da neta a todas as sensações e lembranças da vinda dos filhos ao mundo. Vivemos todas as fases e todas as idades em um só momento. Os anos condensam-se naquilo que nos foi importante.

Nada de esperar pelo grandioso. O que fica é o constante, o corriqueiro. Eles constroem nossa história. E no tempo que virá para todos nós, planos e expectativas perdem sua força. São as memórias e lembranças que nos mantém vivos mesmo após a morte.

Uma vida, não importa de quanto tempo, sempre cabe em um único momento.

 

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