Espelho, espelho meu

Maria Avelina Fuhro Gastal

Texto produzido para a oficina de crônicas com Guto Leite – janeiro 2015

No elevador do edifício onde moro tem um espelho. Não só nele, mas em quase todos os prédios em que vou, ou na recepção ou nos elevadores, há espelhos. Se estou sozinha, não resisto e dou uma olhada, analiso o rosto, arrumo o cabelo, espremo um cravo ou uma espinha, ajeito a roupa.

Já percebi vizinhos ou estranhos disfarçando quando a porta do elevador abre, virando-se rápido para não ser surpreendido admirando o reflexo de sua imagem. Admito que também já devo ter sido flagrada em situação semelhante.

Nas sinaleiras homens e mulheres se não estão olhando para o celular, aproveitam para dar uma rápida olhada no retrovisor e ajeitar o cabelo ou retocar o batom.

Vivemos em um mundo que reflete a nossa imagem a cada passo que damos. As portas de bancos, lojas e edifícios funcionam como espelho para que possamos estar sempre impecáveis. Nem sempre gostamos do que vemos, mas sempre olhamos na esperança de poder consertar o que não nos agrada.

O mais interessante é que nunca havia pensado nos espelhos, nem no nosso hábito de nos olharmos até que uma cena banal me chocou. Já tarde da noite fui fechar a janela do meu quarto, não sem antes ter ficado na frente do espelho do banheiro passando cremes no rosto e olhos, quando vi um morador de rua que, tendo terminado de revirar o lixo em busca talvez de restos para uma refeição, agachou-se ao lado de um carro e usou o vidro lateral como espelho para arrumar o seu cabelo. Levantou-se, postou-se de perfil e sempre mirando o seu reflexo, alisou a camisa que usava, bateu nas pernas das calças e saiu caminhando com uma postura de quem estava satisfeito com o que viu.

Naquele momento enxerguei em mim algo que nenhum espelho é capaz de refletir. Eles só mostram aquilo que queremos que os outros vejam. Queremos nos diferenciar dos iguais, mas nos chocamos se um diferente tenta se igualar a nós. Dividimos o mundo entre nós e eles e julgamos pela raça, pelo credo, pela posição social, pela opção sexual e por tudo aquilo que os diferencia de nós, mesmo sem ter consciência disto.

Somos todos Narcisos.

 

voltar para página do autor